Mykel Alexander |
Monoteísmo
ou politeísmo?
Talvez uma das mais fundamentais questões da temática
religiosa seja o contraste entre monoteísmo, a existência de um deus apenas, e
politeísmo, a existência de vários deuses.
Na verdade, esta questão com uma conotação tão antagônica
é mais uma consequência tanto das desinformações que se acumularam com o
desenvolvimento das religiões abraâmicas, isto é, judaísmo, cristianismo e
islamismo, como também devido à falta de conhecimento do Ocidente em relação as
demais tradições da humanidade.
Tradição
hindu
A tradição hindu é entre as demais tradições da humanidade que mais tratados abrangem a temática religiosa, como é possível constatar na monumental coleção dirigida por Friedrich Max Müller (1823-1900), Sacred Books of the East, na qual uma significante parte dos 50 volumes procedem da tradição hindu.
Nos diz Surendranath Dasgupta (em A History of Indian Philosophy, Cambridge University Press,
Londres, 1922, volume 1), relevante filósofo e linguista hindu de Cambridge,
que:
“A antiga civilização da Índia foi uma unidade concreta de desenvolvimentos multilaterais na arte, arquitetura, literatura, religião, moral, e ciência tanto quanto foi compreendida naqueles dias. Mas a mais importante realização do pensamento hindu foi a filosofia. Ela era vista como o objetivo de todas as mais elevadas atividades teoréticas e práticas e ela indicou o ponto de unidade entre todas aparentes diversidades o qual o complexo crescimento da cultura sobre uma vasta área habitada por diferentes povos produziu.” (página VII)
Essa concepção sinérgica, ou em linguagem acadêmica,
multidisciplinar da tradição hindu, na qual as diversas expressões do saber
participam complementando-se umas às outras numa compreensão integral da
existência, foi constatada de maneira bem categórica, embora sem que tenha sido
a intenção, numa das maiores obras da sociologia, Contemporary Sociological Theories, 1928, do russo Pitirim Sorokin,
quando este ao avaliar cada corrente de interpretação do desenvolvimento
social, iniciava os respectivos capítulos fazendo uma breve apresentação dos antecedentes
de cada corrente, pode-se constatar que as civilizações tradicionais, de modo
geral, mais colocavam tais correntes de modo complementar do que antagonista,
especialmente a tradição hindu. O pensamento mecanicista (tendia, é verdade, à heterodoxia hindu), escola geográfica, sociologia organicista, antropologia
racial e hereditária, luta pela existência (indireta, mas essencialmente
presente na metafísica hindu no equilíbrio das forças), escola demográfica, sociologia
fundamental de Comte e Spencer, a sociologia consagrada à psicologia e
sociologia da religião. Ao contrário do choque partidário entre os postulados
de tais escolas que ocorrem hoje, a natureza da tradição hindu, por ser
essencialmente comprometida com a busca da verdade, fomentava o choque dos
postulados, porém sem o partidarismo que vemos desde o fim da antiguidade
clássica no Ocidente. O motivo disto é que tanto na Índia, como acima colocou
Dasgupta, como na Antiguidade Clássica, apesar das exceções, a regra era que a
mentalidade entendida no sentido da palavra filosofia em seu significado grego
original, ‘amor pela sabedoria’ e sempre comprometida com a busca pela verdade,
prevalecia sobre preferências pessoais ou sobre o fanatismo.
Esta unidade de desenvolvimento do saber nos oferece uma
didática maneira de compreender a evolução do pensamento hindu de modo a
esclarecer a questão do politeísmo e do monoteísmo, pois ambas concepções, ao
contrário do que comumente as pessoas podem supor, movem-se de modo
complementar e não discordante dentro da tradição hindu.
As escrituras primordiais hindus são conhecidas como Vedas, mas é preciso uma explicação
sobre dois conceitos que distinguem o conteúdo da tradição hindu. Na tradição
hindu parte de sua literatura é denominada Śruti,
termo derivado da raiz śru que é
ouvir, e durante muito tempo antes desta tradição ser vertida em escritura, era
quase um sacrilégio escrever elas, sendo transmitidas oralmente, eram ouvidas pelos sábios, a partir da boca
de seus preceptores, cujas origens são remotas e atribuídas à direta procedência
divina (Dasgupta, pp. 11, 13). A outra parte da literatura primordial hindu é
denominada de Smṛti, e não é
atribuída ser necessariamente de procedência diretamente divina.
René Guenón[1], um estudioso do Oriente e
do Ocidente, em sua monografia Introdução
Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus, cujo esforço foi dirigido exatamente
em desfazer mal-entendidos nos estudos comparados ainda carregados de muito
viés, fez uma colocação bem didática da diferença no teor do conteúdo das
escrituras Śruti e Smṛti.
Śruti
refere-se ao conhecimento direto via intuição pura e imediata que se aplica
exclusivamente ao domínio metafísico.
Smṛti
é o conhecimento consciente por reflexão e racionalidade, direcionado ao
conhecimento individual, normalmente com aplicações sociais.
Portanto,
a literatura hindu primordial, cuja origem é estimada divina, é denominada com
o nome genérico de Veda ou Śruti. Explica Dasgupta:
“(...) Veda em seu mais amplo sentido não é o nome de qualquer livro particular, mas da literatura de uma época particular estendida sobre um longo período, isto é, dois mil anos ou cerca disso.” (Dasgupta, página 12).
Pode-se, para fins didáticos, fazer a seguinte disposição
de como se desenvolveu a literatura védica ou Śrut:
1 - Samhitas –
compreende quatro coleções de hinos:
Rg-Veda
– refere-se as altas divindades.
Sāma-Veda –
é um desenvolvimento, de modo geral, de aspectos do Rg-Veda.
Yajur-Veda –
também desenvolve o Rg-Veda e trata
dos sacrifícios religiosos.
Atharva Veda
– lida com as divindades inferiores e mais simples, possivelmente resquícios de
tempos muito anteriores ao Rg-Veda.
2 – Brāhmanas –
São tratados teológicos em prosa que explicam os rituais para os que não estão
familiarizados com eles. A elaboração dos rituais aqui começa já ter uma busca
especulativa, filosófica, para compreender o sentido total dos rituais.
3 – Āranyakas –
é como um desenvolvimento posterior dos Brāhmanas,
e é também denominado como tratados da
floresta, pois seus adeptos retiravam-se para as florestas abdicando do uso
dos rituais, e em solidão tinham na própria mente e no que esta alcançava a
principal ferramenta para a especulação e busca filosófica da natureza da
verdade.
4 – Upanishads
– são um desenvolvimento dos Āranyakas
compostos de muitos tratados, 108 no total, e têm especialmente múltiplos
significados, como “ouvir o professor”,
“instrução secreta”, “continência moral e nobres ideais” e “destruição da ignorância inata e a
subsequente revelação do conhecimento certo” (Dasgupta, página 38). Nos Upanishads a busca pela natureza da
verdade converge com a busca pela compreensão da divindade máxima, através de
reflexão e desenvolvimento filosófico amplo e profundo, e formam assim a porção
conclusiva da literatura védica e por isso foram assim chamados de Vedānta¸ e esta fornecia o mais alto
conhecimento das mais altas verdades e realidades (Dasgupta, página 41).
Embora a tradição hindu prossiga produzindo outros desenvolvimentos
e ramificações, conforme acima posto, os Upanishads
finalizam o período védico estritamente falando. Podemos então ver a relação
entre monoteísmo e politeísmo no hinduísmo em sua mais legítima expressão que é
a védica.
Quase todos os hinos dos vedas, isto é, os que estão compreendidos nos Samhitas, foram compostos em louvor aos deuses.
“Os deuses aqui são, contudo, personalidades presidindo sobre os diversos poderes da natureza ou formando a própria essência destes. Eles têm, portanto, nenhuma característica definida, sistemática e separada como os deuses gregos ou os deuses dos trabalhos míticos hindus tardios, os Purānas. Os poderes da natureza tais como a tempestade, a chuva, o trovão, são intimamente associados um com outro, e os deuses associados com eles são também similares em características. Os mesmos epítetos são atribuídos a diferentes deuses e é somente em umas poucas qualidades específicas que eles diferem uns dos outros. Nas composições posteriores mitológicas dos Purānas os deuses perderam o caráter deles como poderes hipostáticos[2] da natureza, e assim tornaram-se personalidades reais e personagens tendo as histórias deles de alegria e tristeza como os mortais aqui embaixo. Os deuses védicos devem ser contrastados com eles nisto, que eles são de uma natureza impessoal, como personagens eles são senão, mais que tudo, expressões de poderes da natureza.” (Dasgupta, página 16.)
“Foram as forças da natureza e as manifestações dela sobre a terra aqui, a atmosfera ao redor e acima de nós, ou no paraíso além da abóboda do céu que excitou a devoção e imaginação dos poetas védicos. Assim, com exceção de uns poucos deuses abstratos (...) e algumas divindades duais, os deuses devem ser, de modo aproximado, classificados como terrestre, atmosférico e celestial.” (Dasgupta, página 16.)
Politeísmo,
henoteísmo e monosteísmo
Dasgupta afirma que a pluralidade de deuses védicos é um
primitivo estágio de onde se originam as concepções politeístas e monoteístas.
“Os deuses aqui não preservam os próprios lugares como em uma fé politeísta, mas cada um deles encolhe-se em insignificância ou resplandecem como supremo de acordo conforme ele é o objeto de adoração ou não.” (Dasgupta, página 17).
“Neste estágio a época não estava madura o suficiente para eles acordarem uma consistente e bem definida existência para uma multidão de deuses nem para universalizar eles em um credo monoteísta. Eles hipostatizaram[3] inconscientemente qualquer força da natureza que lhes impressionaram ou lhes preenchiam com gratidão e alegria por seus benefícios ou caráter estético, e as adoravam. A divindade a qual movia a devoção ou admiração da mente deles era a mais suprema para a época.” (Dasgupta, página 18).
Dasgupta chama a atenção para uma interpretação
equivocada deste panteão divino feita por Max Müller, na qual um fiel teria
como foco sua divindade preferida e as demais desapareceriam de sua
consideração. Tal concepção foi denominada por Max Müller de henotheísmo ou kathenotheismo, e, em certa medida, segundo Dasgupta, corrigida por
Arthur Anthony MacDonell (1854-1930), em Vedic
Mythology, 1897, que afirma que por trás das exageradas preferências de um
deus em detrimento de outro, com uma relativa aproximação do monoteísmo, está, na verdade, uma
sinergia de deuses, isto é, são deuses interdependentes (Dasgupta, página 18)
de modo que seus atributos e funções seriam complementares uns aos outros.
Outra consideração importante é que a não
antropomorfização dos deuses afasta uma cômoda e insatisfatória analogia com o
panteão greco-romano, e, consequentemente, com o politeísmo antropomórfico grego, observa Dasgupta (página 19),
contudo, não pode ser deixado de acrescentar que mesmo o panteão greco-romano
antropomórfico não está sem suas relações complementares de deuses que obedecem
uma ordem divina suprema, tal como expôs Claudio Mutti em seu artigo “A
doutrina da unidade divina na tradição helênica”. Talvez a relação entre monoteísmo e politeísmo na tradição greco-romana seja menos clara que na
tradição hindu devido ao fato de que nesta as escrituras sobre tal relação
sejam mais abundantes que na tradição greco-romana, ou talvez que mesmo sem
tantas escrituras como a tradição hindu, a tradição greco-romana tem em si as
respostas que harmonizam de modo complementar monoteísmo e politeísmo e
o problema tenha sido o fanatismo procedente das polêmicas oriundas das
religiões abraâmicas, isto é, do judaísmo, cristianismo e islamismo contra a
tradição greco-romana.
“A tendência frente ao extremo exagero poderia ser chamada de um viés monoteísta em germe, enquanto a correlação de diferentes divindades independentes uma das outras ainda existindo lado a lado era uma tendência frente ao politeísmo.” (Dasgupta, página 19).
Crescimento
da tendência monoteísta
A sensibilidade primordial hindu, a qual não admite a aleatoriedade
como criadora de ordem, conforme será abordado adiante sob o conceito de Ṛta, ao mesmo tempo que inteligia várias
forças inteligentes no universo, procurava o sentido delas, o quanto eram divergentes
ou convergentes, complementares ou antagônicas, e se havia uma força dirigente
suprema.
“Esta tendência para exaltar entusiasticamente um deus como o maior de todos e o mais alto de todos trouxe adiante a concepção de um supremo Senhor de todos seres (Prajāpati) não por um processo de generalização consciente, mas como um necessário estágio de desenvolvimento da mente, capaz de imaginar uma divindade como o repositório da mais alta moral e poder físico, embora sua manifestação direta não pode ser percebida. Assim o epíteto Prajāpati ou Senhor dos seres, o qual era originalmente um epíteto para outras divindades, veio a ser reconhecido como uma divindade separada, a mais alta de todas e a maior de todas.” (Dasgupta, página 19.)
“Similares atributos são também atribuídos para a divindade Vísvakarma (Todo-criador). Ele é dito ser pai e procriador de todos seres, embora ele mesmo não-criado. Ele gerou as águas primitivas.” (Dasgupta, página 19.)
Brahma,
karma e Ṛta
A investigação dos sábios hindus a partir de seus
escritos primordiais, a literatura védica ou Śrut, evidenciava conceitos que eram sinérgicos, complementares, que
quando sobrepostos podia-se inferir que o que faltava num estava noutro o
complemento.
“A concepção de Brahman a qual tem sido a mais alta glória da filosofia Vedānta dos dias posteriores tinha dificilmente emergido no RG-Veda a partir das associações da mente sacrificial. (...) É somente na Satapatha Brāmana que a concepção de Brahman tem adquirido um grande significado como supremo princípio o qual é a força de movimento por trás dos deuses.” (Dasgupta, página 20).
Os sacrifícios na tradição hindu são como fórmulas,
operações, que ativam ou modulam potências e forças universais, tanto divinas
como naturais, e ambas tendo como substância comum a força que permeia todo
universo. O sacrifício era considerado como o único tipo de dever, e foi também
chamado karma ou kriyā (ação). (Dasgupta, página 22).
Também é fundamental notar aqui que o primeiro
reconhecimento de uma ordem ou lei cósmica prevalecendo na natureza sob a
guarda dos mais altos deuses é encontrado no uso da palavra Ṛta (literalmente o curso das coisas). Esta palavra foi também
usada para denotar a “ordem” no mundo moral como verdade e “direito”, e no
mundo religioso como sacrifício ou “rito” e sua inalterável lei é produzir
efeitos.
“É interessante notar nesta conexão que está aqui que nós encontramos os primeiros germes da lei do karma, a qual exerce um controle dominante sobre o pensamento hindu até o presente dia. Assim nós encontramos a simples fé e devoção dos hinos védicos por um lado sendo suplantado pelo crescimento de um complexo sistema de ritos sacrificiais, e por outro uma inclinação do curso deles frente a um conhecimento filosófico ou monoteísta da realidade última do universo.” (Dasgupta, página 22).
Se
o ponto de partida das concepções hindus primordiais procedia do conhecimento direto via intuição pura e
imediata que se aplica exclusivamente ao domínio metafísico, Śruti, as escolas ou sistemas
correspondentes a muitas linhas de filosofia (especialmente as seis escolas da
linha Āstika), com empenho consciente
por reflexão e racionalidade, Smṛti, forneciam
os postulados de modo mais sistemático, reafirmando, em grande medida, racionalmente,
explicitamente e sistematicamente o que inicialmente era , intuído, implícito e
de certa maneira disperso.
Cosmogonia – mitológica e filosófica
A cosmogonia do Rg-Veda pode ser considerada no aspecto
mitológico e no aspecto filosófico.
O aspecto mitológico possui duas correntes, uma de
criação natural, como a árvore, e outra, por exemplo, como criação mecânica, a
madeira, não bruta, obra do marceneiro.
No aspecto filosófico o supremo
homem é dito ser o inteiro universo, “ele é o senhor da imortalidade que tem se
tornado difundido em todos os lugares entre as coisas animadas e inanimadas e
todos os seres vieram dele” (Rg-Veda
X, 90).
Existem outros hinos nos quais
o Sol é chamado alma (ātman) de tudo
que é móvel e imóvel (Rg-Veda I,
115).
Há também declarações para o
efeito que o Ser é um, embora ele é chamado por muitos nomes pelos sábios. (Rg-Veda I, 164 e também I, 46).
Conclusão
Pode-se entender que na dicotomia entre monoteísmo e politeísmo como é entendida popularmente no Ocidente contemporâneo através de suas três religiões predominantes, judaísmo, cristianismo e islamismo, o monoteísmo é quando compreende-se somente um deus único sem as demais divindades que seriam expressões ou derivações menores desse mesmo deus único, enquanto politeísmo é entendido quando se admite a existência de vários deuses independentes entre si como se não formassem um conjunto harmônico, se encontrando deste modo todos deuses em uma condição de mútua disposição uns contra outros ou independentes uns dos outros, sem terem origem e subordinação a um deus supremo que represente a unidade de todos os demais deuses e seres, pois justamente nessa concepção mal entendida de politeísmo no Ocidente atual não há tal deus supremo. Deste modo no Ocidente atual monoteísmo e politeísmo se excluem um ao outro.
Nas
tradições não-abraâmicas como a hindu ou a greco-romana pode-se, usando os
temos ocidentais de monoteísmo e politeísmo, entender respectivamente
como Deus único a parte monoteísta, que gera de si própria as suas várias
expressões que são simbolicamente denominadas por deuses, sendo justamente estes
últimos a parte entendida como politeísta. Assim, no ocidente, não é ao
judaísmo, cristianismo e islamismo que temos que recorrer para compreender a
verdadeira relação complementar entre monoteísmo e politeísmo, mas sim à
tradição neoplatônica, onde tal relação complementar é muito bem sintetizada por
Julían Marías como “Ser Pleno, e que a partir de si vai emanando, através de
uma série de gradações, diferentes expressões da divindade com cada vez menos
plenitude, até formar o mundo material.”, ou por Giovanni Reale como “uma
substância que deriva de outra substância, com relação à qual é sempre inferior
e, contudo, é essa mesma substância a título pleno e capaz, por sua vez, de
gerar outras substâncias.” (ver nota 1). É totalmente emblemático, que da mesma
maneira que na tradição hindu, a tradição greco-romana no processo de
desenvolvimento de seus conceitos religiosos, políticos, simbólicos,
psicológicos, etc, também foi harmonizando a compreensão de vários deuses e
seres como expressão de uma divindade única, numa unidade divina que contém em
si uma multiplicidade de deuses e demais seres, e isto não é coincidência, afinal,
hindus, gregos e romanos pertencem ao tronco indo-europeu. Portanto, nas
tradições indo-europeias o monoteísmo e politeísmo se complementam como a plena
divindade universal em todas suas expressões.
Por fim, se já nos vedas
o monoteísmo de um Deus supremo é já perceptível, embora sem negar a existência
de outras divindades que são como expressões desse Ser absoluto, nos tratados
seguintes aos vedas, os brāhmanas, além de haver prosseguimento
na compreensão do Deus supremo que contém em si todos os demais seres, a busca
pela verdade última prossegue, e o desafio que se apresenta é examinar se há
algo além do Ser, que seria o não-Ser, e se esta questão se relaciona
com o manifestado e o não-manifestado.
É
muito relevante registrar a obra The
Shape of Ancient Thought (Allworth Press, New York, 2002) de Thomas
McEvilley que levanta minuciosamente as semelhanças amplas e profundas entre as
tradições hindu e greco-romana, dando um novo fôlego nestes estudos, que foram
nas últimas décadas realizados com labor inestimável pelo já falecido Georges
Dumézil. Também é preciso advertir que estes estudos comparados, apenas para
citar a época contemporânea, já existiam no século XIX em duas correntes, uma a
acadêmica através dos orientalistas, e outra, a dos tradicionalistas não
acadêmicos, tais como Helena Blavatsky, René Guenón e Julius Evola, e devido
aos mais diversos preconceitos, interesses e fanatismos, tanto acadêmicos como
tradicionalistas tiveram seus trabalhos atacados recorrentemente, apesar destes
conterem em si muitas afirmações, conceitos, ideias particulares e gerais que
são muito mais coerentes que as censuras de seus críticos, e inclusive muitas
vezes comprováveis à mais básica lógica e verificação, tais como na
arqueologia, aliás na própria história desta disciplina (ver Bruce G. Trigger, História do Pensamento Arqueológico) os
atrasos e retrocessos por questões de fanatismo e ideologia foram marcantes,
como em casos nos quais a antiguidade do homem através das descobertas
arqueológicas desmentia a antiguidade do homem afirmada nas escrituras
abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo) ou nas teorias iluministas e
evolucionistas.
Notas
[1] René Guenón, Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus, Editora IRGET, São Paulo,2009. Parte III, capítulo V.
[2] Nota do autor: Como ponto de
partida para entender a hipóstase,
conceito difundido pelo filósofo neoplatônico Plotino (204-270 d.C.), devemos
considerar antes que conceito este tinha de Deus, chamado de Uno, o qual é ao mesmo tempo o ser, o bem e a Divindade, isto
é, o Ser Pleno, e que a partir de si
vai emanando, através de uma série de gradações, diferentes expressões da
divindade com cada vez menos plenitude, até formar o mundo material (Julían
Marías, História da Filosofia,
Editora Martins Fontes, 1ª edição, São Paulo, 2004, páginas 109-111). Entendido isso fica mais
compreensível o termo grego hipóstase
nas palavras de Giovanni Reale: “Hipóstase significa substância. (...) Melhor ainda, podemos dizer que a hipóstase é uma
substância que deriva de outra substância, com relação à qual é sempre inferior
e, contudo, é essa mesma substância a título pleno e capaz, por sua vez, de
gerar outras substâncias (...)” (Giovanni Reale, Léxico da Filosofia Grega e Romana, Edições Loyola, São Paulo,
2014, nova edição corrigida, vocábulo hipóstase.
[3] Nota do autor: ver nota 1.
Sobre o autor: Mykel
Alexander é licenciado em História (Unimes), Bacharel em Farmácia (Unisantos) e
está no último semestre de licenciatura em Filosofia (Unimes).
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Excelente
ResponderExcluirMuito legal
ResponderExcluirMuito bom o artigo. Parabéns!
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