terça-feira, 12 de março de 2019

Expondo a agenda Líbia: uma olhada mais de perto nos e-mails de Hillary - por Ellen Brown


Continuação do artigo: Líbia: trata-se do petróleo ou do Banco Central? - Por Ellen Brown

Ellen Brown

Os críticos há muito questionaram por que a intervenção violenta foi necessária na Líbia. Os e-mails de Hillary Clinton recentemente publicados confirmam que eram menos sobre proteger as pessoas de um ditador do que sobre dinheiro, serviços bancários, e a prevenção da soberania econômica africana.

            A breve visita da então Secretária de Estado Hillary Clinton na Líbia em outubro de 2011 foi referida pela mídia como uma “volta da vitória”. “Nós viemos, nós vimos, ele morreu!” ela cantou em uma entrevista de vídeo na CBS[1] ao ouvir sobre a captura e brutal assassinato do líder líbio Muammar el-Gaddafi.

            Mas a volta da vitória, escreve Scott Shane e Jo Becker no New York Times[2], foi prematura. A Líbia foi relegada a segundo plano pelo Departamento de Estado, “conforme o país dissolveu-se no caos, levando à guerra civil que iria desestabilizar a região, alimentando a crise de refugiados na Europa e permitindo o {chamado} Estado Islâmico estabelecer um abrigo líbio que os Estados Unidos estão agora desesperadamente conter.”

            A intervenção da OTAN/EUA foi alegadamente empreendida sobre bases humanitárias, após relatos de atrocidades em massa; mas as organizações de direitos humanos questionaram as alegações[3] depois de encontrarem falta de evidência[4]. Hoje, contudo, atrocidades verificáveis estão ocorrendo. Conforme Dan Kovalik escreveu no Huffington Post[5], “a situação dos direitos humanos na Líbia é um desastre, conforme ‘milhares de detidos [incluindo crianças] definham nas prisões sem revisão judicial adequada,’ e ‘sequestros e assassinatos seletivos são desenfreados’.”

            Antes de 2011, a Líbia tinha alcançado independência econômica, com sua própria água, sua própria comida, seu próprio petróleo, seu próprio dinheiro, e seu próprio banco estatal. Ela havia surgido sob Gaddafi a partir de uns dos mais pobres países para um dos mais ricos países na África. Educação e tratamento médico eram gratuitos[6]; ter um lar era considerado um direito humano; e os líbios participaram em um sistema original de democracia local. O país ostentava o maior sistema de irrigação, o projeto Great Man-made River, o qual trouxe água do deserto para as cidades e áreas costeiras; e Gaddafi estava embarcando num programa para espalhar este modelo através da África.

            Mas isto foi antes das forças da OTAN/EUA bombardearem o sistema de irrigação[7] e causarem o caos no país. Hoje a situação é tão terrível que o presidente Obama tem de pedir aos seus conselheiros para elaborarem opções incluindo uma nova frente militar na Líbia[8], e o Departamento de Defesa está reportadamente em prontidão com ‘o pleno espectro de operações militares requeridas.”

A volta da Secretária de Estado foi de fato prematura, se o que nós estamos falando é sobre o objetivo de intervenção humanitária declarado oficialmente. Mas seus e-mails recém-divulgados revelam outra agenda por trás da guerra da Líbia; e este, ao que parece, foi alcançado.


{Nicolas Sarkozy, que tem ancestralidade judaica e é leal à Israel, foi decisivo para minar e destruir a Líbia de Gaddafi}

Missão cumprida?

            Dos 3,000 e-mails liberados pelo servidor de e-mail privado de Hillary Clinton no final de dezembro de 2015, aproximadamente um terço foi de seu confidente próximo Sidney Blumenthal, o assessor de Clinton que ganhou notoriedade quando ele testemunhou contra Monica Lewinsky. Um destes e-mails[9], datado de 2 de abril, diz em parte:
O governo de Gaddafi detém 143 toneladas de outo, e similar quantidade em prata... Este ouro foi acumulado antes da rebelião atual e foi intencionado ser usado para estabelecer uma moeda pan-africana baseado no dinar dourado da Líbia. Este plano foi designado para fornecer aos países africanos francófonos uma alternativa para o franco francês (CFA).
            Num “comentário da fonte,” o e-mail original não mais secreto adiciona:
De acordo com os indivíduos conhecedores esta quantidade de ouro e prata é avaliada em mais que US$ 7 bilhões. Oficiais da inteligência francesa descobriram este plano logo após o início da atual rebelião começar, e isto foi um dos fatores que influenciaram a decisão do Presidente Nicolas Sarkozy a comprometer a França a atacar a Líbia. De acordo com esses indivíduos os planos de Sarkozy são conduzidos pelas seguintes questões:
Um desejo de ganhar maior parcela da produção de petróleo da Líbia, 
Aumentar a influência francesa no norte da África, 
Melhorar sua situação política interna na França, 
Fornecer aos militares franceses uma oportunidade de reafirmar sua posição no mundo,Abordar a preocupação de seus conselheiros sobre os planos de longo prazo de Gaddafi para suplantar a França como poder dominante na África francófona.
            Conspicuamente ausente é qualquer menção de preocupações humanitárias. Os objetivos são dinheiro, poder e petróleo.

{O judeu Sidney Stone Blumenthal, assessor dos Clinton, e Hillary, envolvidos na destruição do mais próspero Estado
africano, a Líbia de Muammar Gaddafi. Graças à investigação do FBI, evidências nos e-mails revelados explicitaram o interesse da globalização em destruir a Líbia usando o disfarce da palavra da moda: intervenção "humanitária".} 

Outras confirmações explosivas nos e-mails recentemente publicados são detalhadas pelo jornalista investigativo Robert Parry[10]. Eles incluem admissão de crimes de guerra rebeldes, de treinamento de operações especiais dentro da Líbia aproximadamente a partir do início dos protestos, e da Al Qaeda incorporada na oposição apoiada pelos EUA; Os temas chave da propaganda para intervenção violenta são reconhecidamente serem meros rumores. Parry sugere que esses podem ter se originado com o próprio Blumenthal. Eles incluem a bizarra alegação que Gaddafi tinha uma “política de estupro” envolvendo passar Viagra para suas tropas, uma acusação posteriormente levantada pela embaixadora dos EUA na ONU Susan Rice em uma apresentação na ONU. Parry pergunta retoricamente:
Então você acha que seria mais fácil para a administração do governo de Obama reunir apoio por trás desta “mudança de regime” explicando como o governo francês queria roubar a riqueza líbia e manter a influência neocolonial francesa sobre a África – ou iriam os americanos responder melhor aos temas de propaganda sobre Gaddafi distribuindo Viagra para suas tropas de modo que eles pudessem estuprar mais mulheres enquanto seus franco-atiradores atacavam crianças inocentes? Bingo!
    
Derrubando o esquema financeiro global

A tentativa ameaçada de Gaddafi para estabelecer uma moeda africana independente não foi considerada levemente pelos interesses ocidentais. Em 2011, Sarkozy supostamente chamou o líder líbio de uma ameaça à segurança financeira do mundo[11]. Como poderia este muito pequeno país de seis milhões de pessoas representar tal ameaça? Primeiro alguns antecedentes.

            São os bancos, não os governos, que criam a maior parte do dinheiro nas economias ocidentais, conforme o Bank of England recentemente reconheceu. Isso vem ocorrendo por séculos, através do processo chamado de empréstimo de “reserva fracionada.” Originalmente, as reservas eram em ouro. Em 1933, o presidente Franklin Roosevelt substituiu o ouro domesticamente com reservas criadas pelo banco central, mas o ouro permaneceu como moeda de reserva internacionalmente.

            Em 1944, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial foram criados em Bretton Woods, New Hampshire, para unificar globalmente este sistema financeiro criado por banco. Uma decisão do FMI disse que nenhum papel moeda poderia ter a base em ouro. Uma oferta de dinheiro criada privadamente como dívida a juros requer uma contínua fonte de devedores; e durante a seguinte metade do século, os mais desenvolvidos países iriam entrar em dívida com o FMI[12]. Os empréstimos vieram com restrições, incluindo políticas de “ajuste estrutural” envolvendo medidas de austeridade e privatização de ativos públicos.

            Depois de 1944, o dólar dos EUA negociou de forma intercambiável com o ouro como moeda de reserva global. Quando os EUA não mais estavam capazes de manter o dólar baseado em ouro, na década de 1970 fizeram um acordo com a OPEP para “basear” o dólar em petróleo, criando o “petrodólar”. Petróleo seria vendido somente em dólares americanos, os quais iriam ser depositados em Wall Street e outros bancos internacionais.

            Em 2001, insatisfeito com o valor cada vez menor que os dólares que a OPEP estava pagando por seu petróleo, o Iraque de Saddam Hussein quebrou o pacto e vendeu o dólar em euros. A mudança de regime seguiu rapidamente, acompanhada pela destruição generalizada do país.

            Na Líbia, Gaddafi também quebrou o pacto, mas ele fez mais do que vender seu petróleo em outra moeda.

            Assim estes desenvolvimentos são detalhados pela blogueira Denise Rhyne:
Durante décadas, a Líbia e outros países africanos tinha estado tentando criar um padrão ouro pan-africano. A Líbia de Gaddafi e outros chefes dos Estados africanos queriam uma independente “moeda forte” pan-africana. 
Sob a liderança de Gaddafi, as nações africanas tinham convocado ao menos duas vezes a unificação monetária. Os países discutiram a possibilidade de usar o dinar líbio e dirrã de prata como único dinheiro possível para comprar petróleo africano. 
Até a recente invasão dos EUA/OTAN, o dinar de ouro era emitido pelo Banco Central da Líbia (CBL). O banco líbio era 100% estatal e independente. Os estrangeiros tinham que passar pelo banco central da Líbia para fazer negócios com a Líbia. O Banco Central da Líbia emitiu o dinar, usando as 143,8 toneladas de ouro. 
A Líbia de Gaddafi (Presidente da União Africana de 2009) concebeu e financiou um plano para unificar a soberania dos Estados da África com uma moeda de ouro (Estados Unidos da África). Em 2004, um parlamento pan-africano (53 nações) estabeleceu planos para a Comunidade Econômica Africana – com uma única moeda de ouro até 2023. 
As nações africanas produtoras de petróleo estavam planejando abandonar o petro-dólar, e exigir pagamento de ouro por petróleo / gás.

Mostrando o que é possível

            Gaddafi tinha feito mais que organizar um golpe financeiro africano. Ele tinha demonstrado que independência financeira poderia ser alcançada; Seu maior projeto de infraestrutura, o Great Man – made River, estava transformando regiões áridas em um celeiro para a Líbia; e os 33$ bilhões do projeto estava sendo financiado sem juros nem dívida externa, através do próprio banco estatal da Líbia.

{Muammar al-Gaddafi: um dos maiores líderes do século XXI. O perfil dos grandes ditadores da humanidade:  liderança,
compromisso e dedicação ao Estado, e protegendo o povo contra os inimigos e tiranos da humanidade.} 


            Isso poderia explicar porque essa peça crítica de infraestrutura foi destruída em 2011. A OTAN não somente bombardeou a tubulação[13], mas finalizou o projeto bombardeando a fábrica que produz os tubos necessários para repará-la. A paralisação de um sistema de irrigação servindo até 70% da população dificilmente parece uma intervenção humanitária. Em vez disso, como o professor canadense Maximilian Forte colocou em seu livro altamente embasado Slouching Towards Sirte: Nato’s War on Libya and Africa[14]:
O objetivo da intervenção militar dos EUA era romper um padrão emergente de independência e uma rede de colaboração dentro da África que iria facilitar o aumento da autossuficiência africana. Isto está em desacordo com as ambições geoestratégicas e político econômicas das potências extracontinentais europeias, nomeadamente os EUA.
{Este é o resultado da intervenção "humanitária" dos globalistas no mais próspero país africano de então, a Líbia de Gaddafi. Foto do The New York Times }

Mistério resolvido

            Os e-mails de Hillary Clinton jogam luz em outro enigma observado pelos primeiros comentadores. Por que, dentro de semanas depois de iniciar o combate, os rebeldes montaram seu próprio banco central? Robert Wenzel escreveu[15] no The Economic Policy Journal em 2011:
Isto sugere que nós temos um pouco mais que um bando de rebeldes correndo por aí e que há algumas influências bastantes sofisticadas. Eu nunca ouvi falar de um banco central sendo criado em questão de semanas a partir de uma revolta popular.           
                 Tudo era altamente suspeito, mas como Alex Newman concluiu num artigo de novembro de 2011[16]:
Se a recuperação do banco central e o corrupto sistema monetário global estavam realmente entre as razões para a derrubada de Gadhafi... talvez nunca possa ser conhecido com certeza – ao menos não publicamente.
            Lá o assunto teria permanecido – suspeito, mas não verificado como muitas histórias de fraude ou corrupção – se não pela publicação dos e-mails de Hillary Clinton após uma investigação do FBI. Eles acrescentaram substancial peso nas suspeitas de Newman: violenta intervenção não se referia principalmente à segurança do povo. Era sobre a segurança dos bancos, dinheiro e petróleo globais[17]


Tradução e palavras entre chaves por Mykel Alexander


Notas {obs. algumas notas não foram colocadas pois os endereços virtuais foram retirados}


[1] Fonte usada por Ellen Brown: ‘Clinton on Gaddafi: We came, we saw, he died’

[2] Fonte usada por Ellen Brown: “A New Libya, With ‘Very Little Time Left’”, por Scott Shane e Jo Becker, 27/02/2016, The New York Times.

[3] Fonte usada por Ellen Brown: “Amnesty questions claim that Gaddafi ordered rape as weapon of war”, por Patrick Cockburn, 24/06/2011, Independent.

[4] Fonte usada por Ellen Brown: “The Top Ten Myths in the War Against Libya”, por Maximilian Forte, 31/08/2011, Counter Punch.

[5] Fonte usada por Ellen Brown: “Clinton Emails on Libya Expose The Lie of ‘Humanitarian Intervention’”, por Dan Kovalik, 22/01/2016 e atualização em 22/01/2017, Huffington Post.

[6] Fonte usada por Ellen Brown: “Libya: From Africa’s Wealthiest Democracy Under Gaddafi to Terrorist Haven After US Intervention”, por Garikai Chengu, 20/10/2015, Counter Punch.

[7] Fonte usada por Ellen Brown: “War Crime: NATO Deliberately Destroyed Libya’s Water Infrastructure”, por Nafeez Ahmed, 30/05/2015, Truthout.

[8] Fonte usada por Ellen Brown: “Obama Readies to Fight in Libya, Again”, por Jack Smith, 05/02/2016, Counter Punch.

[9] Fonte usada por Ellen Brown: “Clinton Email Shows that Oil and Gold Were Behind Regime Change In Libya”, por George Washington, 09/01/2016, Zero Hedge.

[10] “What Hillary Knew about Libya”, por Robert Parry, 13/01/2016, Common Dreams.

[11] Fonte usada por Ellen Brown: “Gadhafi’s Gold-money Plan Would Have Devastated Dollar”, por Alex Newman, 11/11/2011, The New American.

[13]Fonte usada por Ellen Brown:  “War Crime: NATO Deliberately Destroyed Libya’s Water Infrastructure”, por Nafeez Ahmed, 30/05/2015, Truthout.

[14] Fonte usada por Ellen Brown: “In his Ceasefire review, Dan Glazebrook examines Maximilian Forte's withering indictment of liberal humanitarianism and its collusion in imperialist designs on Africa, as seen in NATO's Libya campaign of 2011.”, por Dan Glazebrook, 22/04/2013, Ceasefire.

[15] Fonte usada por Ellen Brown: “Libyan rebels form central bank”, por Robert Wenzel,  Economic Policy Journal.

[16] Fonte usada por Ellen Brown: “Gadhafi’s Gold-money Plan Would Have Devastated Dollar”, por Alex Newman, 11/11/2011, The New American.

[17] Nota do Tradutor Com Gaddafi a Líbia ocupava em 2010 a 54 ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. É fundamental registrar que entre um ano e outro são poucos países que mudam de posição no ranking mundial, e ainda assim isso ocorre geralmente em uma ou duas posições, mas no caso da Líbia, de 2010 para 2011 ela desceu 10 posições após a alegada intervenção humanitária, e agora ocupa a 108ª posição, descendo desde a queda de Gaddafi surreais 54 posições.



http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/LBY (consulta em 11/03/2019 - referente a setembro de 2018).


Desenvolvimento 1990 – 2017: http://hdr.undp.org/en/data



Sobre a autora: Ellen Brown é advogada e presidente do Public Banking Institute, http://PublicBankingInstitute.org . No último de seus onze livros, ela mostra como um cartel privado tem usurpado o poder de criar dinheiro do próprio povo, e como nós, o povo podemos obtê-lo de volta. Seus websites são: http://webofdebt.com e http://ellenbrown.com .


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