Michel Chossudovsky |
“Essa observância global
é para aumentar a conscientização sobre o grande problema que as drogas
ilícitas representam para a sociedade” das Nações Unidas
Pela
Resolução 42/112, de 7 de dezembro de 1987, a Assembléia Geral da ONU decidiu
observar 26 de junho como o Dia Internacional contra o Abuso de Drogas e o
Tráfico Ilícito, como expressão de sua determinação em fortalecer a ação e a
cooperação para alcançar o objetivo de uma sociedade internacional livre de
abuso de drogas.
Aumentar
a conscientização?
Raramente
reconhecido, o tráfico de drogas (“legal”) foi iniciado pelo Império Britânico.
Há continuidade. O rótulo colonial tem sido descartado. Hoje, o comércio de
drogas (“ilícito”) é uma operação multibilionária.
Os
dois principais eixos da roda de produção atualmente são:
Afeganistão, o qual produz aproximadamente 90% do suprimento mundial de ópio (transformado em heroína e produtos relacionados a opióides). Houve um programa bem-sucedido de erradicação de drogas em 2000-2001, iniciado (com o apoio da ONU), antes da invasão liderada pelos EUA-OTAN em outubro de 2001. Desde a invasão e ocupação militar, de acordo com o UNODC[1], a produção de ópio tem aumentado 50 vezes, atingindo 9000 toneladas em 2017.
A Região andina da América do Sul (Colômbia, Peru, Bolívia) a qual produz cocaína. A Colômbia é um narco-estado apoiado pelos EUA. A cocaína da Colômbia abastece o mercado dos EUA, grande parte dos quais transita pelo México. Os cartéis de drogas mexicanos desempenham um papel fundamental nesse comércio.
A
Economia das Drogas é uma parte integrante da Construção do Império. O tráfico
de drogas é protegido pelos aparato militar e inteligência dos EUA.
O
papel do império britânico
Historicamente,
o tráfico de drogas era parte integrante do colonialismo britânico. Ele era “legal”.
O
ópio produzido em Bengala pela British British India Company (BEIC) foi
embarcado para o porto de Cantão no sul da China.
A
exportação de ópio patrocinada pelo estado da Índia britânica para a China foi
sem dúvida a maior e mais duradoura operação de drogas da história. No seu pico
em meados do século XIX, representava aproximadamente 15% da receita colonial
total na Índia e 31% das exportações da Índia. Para suprir esse comércio, a
Companhia das Índias Orientais (EIC) – e mais tarde o Governo Britânico –
desenvolveu um sistema de cultivo altamente regulamentado, no qual mais de um
milhão de agricultores por ano estavam sob contrato para cultivar papoilas de
ópio. ...
O
sistema da agência assegurava que os agricultores não participassem dos grandes
lucros do comércio de ópio. Dado seu poder de monopsônio, as agências de ópio
conseguiram “manter o preço do ópio bruto apenas na margem econômica” (Jonathan
Lehne, 2011.)[2]
Enquanto
a parcela de terras agrícolas alocadas ao ópio era comparativamente pequena, a
produção de ópio sob o domínio colonial foi, no entanto, conducente ao
empobrecimento da população indiana, desestabilizando o sistema agrícola e
provocando inúmeras fomes.
De
acordo com um relatório incisivo da BBC[3]:
“O dinheiro vivo da colheita [do ópio] ocupou entre um quarto e metade da propriedade de um camponês. No final do século XIX, a agricultura de papoula teve um impacto na vida de cerca de 10 milhões de pessoas no que são hoje os estados de Uttar Pradesh e Bihar.
O comércio era administrado pela Companhia das Índias Orientais, a poderosa corporação multinacional estabelecida para negociar com uma carta real que lhe dava o monopólio sobre os negócios com a Ásia. Esse comércio estatal foi alcançado em grande parte através de duas guerras, que forçaram a China a abrir suas portas ao ópio indiano britânico. ...
As rígidas metas de produção fixadas pela Agência do Ópio também significavam que os agricultores – o típico cultivador de papoula era um pequeno camponês – não podiam decidir se deveriam ou não produzir ópio. Eles foram forçados a submeter parte de suas terras e mão-de-obra à estratégia de exportação do governo colonial ”.
Fábrica de ópio e armazém de empilhamento BEIC, Patna, década de 1850 |
China
e as guerras do ópio
Quando
o imperador da China Qing Daoguang ordenou a destruição dos estoques de ópio no
porto de Cantão (Guangzhou) em 1838, o Império Britânico declarou guerra à
China, alegando que estava obstruindo o “fluxo livre” do comércio de
mercadorias.
O
termo “tráfico” se aplica à Grã-Bretanha. Foi aceito mesmo imoralmente,
permitido e apoiado durante todo o reinado da rainha Vitória (1837-1901). Em
1838, 1.400 toneladas de ópio por ano foram exportadas da Índia para a China.
Após a Primeira Guerra do Ópio, o volume dessas remessas (que se estendeu até
1915) aumentou dramaticamente.
A
então chamada primeira guerra do ópio (1838-1842), a qual representou um ato de
agressão contra a China, foi seguida pelo Tratado de Nanjing de 1842, o qual
não apenas protegia as importações britânicas de ópio na China, mas também
concedia direitos extraterritoriais à Grã-Bretanha e outras potências coloniais
levando à formação do “Tratado dos Portos”.
As
maciças receitas do comércio de ópio foram então usadas pela Grã-Bretanha para
financiar suas conquistas coloniais. Hoje seria chamado de “lavagem de dinheiro
com drogas”. A canalização das receitas do ópio também foi usada para financiar
o Hong Kong Shanghai Bank (HKSB), estabelecido pelo BEIC em 1865, no despertar
da primeira guerra do ópio.
Em
1855, Sir John Bowring, em nome do Ministério das Relações Exteriores
britânico, negociou um tratado com o rei Mongkut (Rama IV) de Sião, intitulado
O Tratado Anglo-Siamês de Amizade e Comércio (abril de 1855), que permitia a
importação livre e irrestrita de ópio no Reino do Sião (Tailândia).
Enquanto
o comércio de ópio da Grã-Bretanha com a China foi abolido em 1915, o monopólio
do tráfico de drogas da Grã-Bretanha continuou até a Independência da Índia em
1947. As empresas afiliadas do BEIC, como Jardine Matheson, tiveram um papel
importante no comércio de drogas.
Racismo,
Narcóticos e Colonialismo
Os
historiadores têm focado no comércio triangular de escravos no Atlântico {Atlantic
Triangular Slave Trade}: escravos da África exportados pelas potências
coloniais para as Américas, seguidos por mercadorias produzidas em plantações
usando trabalho escravo exportado de volta para a Europa.
O
comércio colonial de drogas da Grã-Bretanha tinha uma estrutura triangular
semelhante. O ópio produzido nas plantações coloniais por agricultores pobres
de Bengala foi exportado para a China, cujas receitas (pagas em moedas de
prata) foram usadas em grande parte para financiar a expansão imperial da
Grã-Bretanha, incluindo mineração na Austrália e África do Sul.
Nenhuma
compensação foi paga às vítimas do tráfico de drogas do Império Britânico: os
fazendeiros empobrecidos de Bengala, o povo da Índia e da China.
Juntamente
com o tráfico de escravos do Atlântico, o tráfico colonial de drogas constitui
um crime contra a humanidade.
Ambos
comércio de escravos e tráfico de drogas foram sustentados pelo racismo. Em 1877,
Cecil Rhodes apresentou um “projeto secreto” que consistia em integrar os
impérios britânico e norte-americano em um único império anglo-saxão “supremacista
branco”:
Cecil John Rhodes (1853-1902) |
“Eu afirmo que nós somos a melhor raça do mundo. Imagine aquelas partes que atualmente são habitadas pelos espécimes mais desprezíveis dos seres humanos. Por que não devemos formar uma sociedade secreta? Por fazer da raça anglo-saxônica senão um império ...
A África ainda está pronta para nós, é nosso dever tomá-la. … É nosso dever aproveitar todas as oportunidades de adquirir mais território e devemos manter esta ideia firmemente diante de nossos olhos de que mais território significa simplesmente mais da raça anglo-saxônica, mais da melhor, a raça mais humana, mais honrável que o mundo possui. (ênfase adicionada).
Há
continuidade do “combate às drogas” estilo colonial legítimo liderado pelo
Império Britânico, às estruturas atuais de tráfico de drogas: Afeganistão sob
ocupação militar dos EUA, o Estado Narco na América Latina.
Hoje,
o tráfico de drogas é um negócio multibilionário. O escritório da ONU sobre
drogas e crime[4]
estima que a lavagem de dinheiro com drogas e outras atividades criminais sejam
da ordem de 2 a 5% do PIB global, de US $ 800 bilhões a US $ 3 trilhões. O
dinheiro das drogas é lavado através do sistema bancário global.
Lembre-se
do escândalo da Crack Cocaine, revelado em 1996 pelo jornalista Gary Webb. O
crack foi vendido para as comunidades afro-americanas de Los Angeles.
Desde
2001, a venda a varejo de heroína e opióides tem se tornado cada vez mais “armada”
e dirigida contra a sustentação do racismo, pobreza e desigualdade social.
Enquanto
o comércio de drogas de hoje é a fonte de riqueza e enriquecimento, o vício em
drogas, incluindo o uso de heroína, opióides e opióides sintéticos, têm subido
como foguete. Em 2001, 1.779 americanos foram mortos como resultado de overdose
de heroína. Em 2016, o vício em heroína resultou em 15.446 mortes.
Essas
vidas teriam sido salvas se os EUA e seus aliados da OTAN não tivessem invadido
e ocupado o Afeganistão em 2001.
Tradução
e palavras entre chaves por Mykel Alexander
Notas
[1]
Fonte utilizada pelo autor: Afghanistan
Opium Survey 2017 – Cultivation and Production. UNODC – United Nations
Office on Drugs and Crime.
[2] Fonte utilizada pelo autor: http://barrett.dyson.cornell.edu/NEUDC/paper_364.pdf
[3] Fonte utilizada pelo autor: How
Britain's opium trade impoverished Indians, por Soutik Biswas, 05 de setembro
de 2019, BBC.
Fonte: Colonial Drug Trafficking and the British
Empire, por Michael Chossudovsky, 25 de junho de 2020, Global Research.
Michel Chossudovsky (1946
- ), filho de judeus russos, graduado na Ecole internationale, Genebra, Maturité
fédérale suisse, 1962; Bacharel em
Economia na Universidade de Manchester, Reino Unido em 1965; Diploma em
Planejamento Econômico, Instituto de Estudos Sociais, Haia, Holanda, 1967; e
Ph.D. Departamento de Economia, Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill,
NC, EUA. 1971.
Também
é um autor premiado, professor de economia (emérito) da Universidade de Ottawa,
fundador e diretor do Centro de Pesquisa sobre Globalização (CRG), Montreal,
editor de pesquisa global. Lecionou como professor visitante na Europa
Ocidental, Sudeste Asiático, Pacífico e América Latina. Ele atuou como
consultor econômico de governos de países em desenvolvimento e atuou como
consultor de várias organizações internacionais. Ele é autor de onze livros,
incluindo dois traduzidos ao português:
A
Globalização da Pobreza, Editora Moderna, 1 edição 1999.
Guerra
e Globalização - Antes e Depois de 11 de Setembro de 2001,
Editora Expressão Popular, 2004.
Ele
é colaborador da Encyclopaedia Britannica.
Seus escritos foram publicados em mais de vinte idiomas. Em 2014, recebeu a
Medalha de Ouro pelo Mérito da República da Sérvia por seus escritos sobre a
guerra de agressão da OTAN contra a Iugoslávia. Ele pode ser contatado em crgeditor@yahoo.com .
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