Continuação do artigo: Líbia: trata-se do petróleo ou do Banco Central? - Por Ellen Brown
Ellen Brown |
Os críticos há muito
questionaram por que a intervenção violenta foi necessária na Líbia. Os e-mails
de Hillary Clinton recentemente publicados confirmam que eram menos sobre
proteger as pessoas de um ditador do que sobre dinheiro, serviços bancários, e
a prevenção da soberania econômica africana.
A breve visita da então Secretária de Estado Hillary
Clinton na Líbia em outubro de 2011 foi referida pela mídia como uma “volta da
vitória”. “Nós viemos, nós vimos, ele morreu!” ela cantou em uma entrevista de
vídeo na CBS[1]
ao ouvir sobre a captura e brutal assassinato do líder líbio Muammar el-Gaddafi.
Mas a volta da vitória, escreve Scott Shane e Jo Becker
no New York Times[2], foi prematura. A Líbia
foi relegada a segundo plano pelo Departamento de Estado, “conforme o país
dissolveu-se no caos, levando à guerra civil que iria desestabilizar a região,
alimentando a crise de refugiados na Europa e permitindo o {chamado} Estado
Islâmico estabelecer um abrigo líbio que os Estados Unidos estão agora
desesperadamente conter.”
A intervenção da OTAN/EUA foi alegadamente empreendida
sobre bases humanitárias, após relatos de atrocidades em massa; mas as
organizações de direitos humanos questionaram as alegações[3] depois de encontrarem
falta de evidência[4].
Hoje, contudo, atrocidades verificáveis estão ocorrendo. Conforme Dan Kovalik
escreveu no Huffington Post[5],
“a situação dos direitos humanos na Líbia é um desastre, conforme ‘milhares de
detidos [incluindo crianças] definham nas prisões sem revisão judicial
adequada,’ e ‘sequestros e assassinatos seletivos são desenfreados’.”
Antes de 2011, a Líbia tinha alcançado independência
econômica, com sua própria água, sua própria comida, seu próprio petróleo, seu
próprio dinheiro, e seu próprio banco estatal. Ela havia surgido sob Gaddafi a
partir de uns dos mais pobres países para um dos mais ricos países na África. Educação
e tratamento médico eram gratuitos[6]; ter um lar era
considerado um direito humano; e os líbios participaram em um sistema original
de democracia local. O país ostentava o maior sistema de irrigação, o projeto
Great Man-made River, o qual trouxe água do deserto para as cidades e áreas
costeiras; e Gaddafi estava embarcando num programa para espalhar este modelo
através da África.
Mas isto foi antes das forças da OTAN/EUA bombardearem o
sistema de irrigação[7] e causarem o caos no país.
Hoje a situação é tão terrível que o presidente Obama tem de pedir aos seus
conselheiros para elaborarem opções incluindo uma nova frente militar na Líbia[8], e o Departamento de
Defesa está reportadamente em prontidão com ‘o pleno espectro de operações
militares requeridas.”
A
volta da Secretária de Estado foi de fato prematura, se o que nós estamos
falando é sobre o objetivo de intervenção humanitária declarado oficialmente.
Mas seus e-mails recém-divulgados revelam outra agenda por trás da guerra da
Líbia; e este, ao que parece, foi alcançado.
{Nicolas Sarkozy, que tem ancestralidade judaica e é leal à Israel, foi decisivo para minar e destruir a Líbia de Gaddafi} |
Missão
cumprida?
Dos 3,000 e-mails liberados pelo servidor de e-mail
privado de Hillary Clinton no final de dezembro de 2015, aproximadamente um
terço foi de seu confidente próximo Sidney Blumenthal, o assessor de Clinton
que ganhou notoriedade quando ele testemunhou contra Monica Lewinsky. Um destes
e-mails[9], datado de 2 de abril, diz
em parte:
O governo de Gaddafi detém 143 toneladas de outo, e similar quantidade em prata... Este ouro foi acumulado antes da rebelião atual e foi intencionado ser usado para estabelecer uma moeda pan-africana baseado no dinar dourado da Líbia. Este plano foi designado para fornecer aos países africanos francófonos uma alternativa para o franco francês (CFA).
Num “comentário da fonte,” o e-mail original não mais
secreto adiciona:
De acordo com os indivíduos conhecedores esta quantidade de ouro e prata é avaliada em mais que US$ 7 bilhões. Oficiais da inteligência francesa descobriram este plano logo após o início da atual rebelião começar, e isto foi um dos fatores que influenciaram a decisão do Presidente Nicolas Sarkozy a comprometer a França a atacar a Líbia. De acordo com esses indivíduos os planos de Sarkozy são conduzidos pelas seguintes questões:
Um desejo de ganhar maior parcela da produção de petróleo da Líbia,
Aumentar a influência francesa no norte da África,
Melhorar sua situação política interna na França,
Fornecer aos militares franceses uma oportunidade de reafirmar sua posição no mundo,Abordar a preocupação de seus conselheiros sobre os planos de longo prazo de Gaddafi para suplantar a França como poder dominante na África francófona.
Conspicuamente ausente é qualquer menção de preocupações
humanitárias. Os objetivos são dinheiro, poder e petróleo.
Outras
confirmações explosivas nos e-mails recentemente publicados são detalhadas pelo
jornalista investigativo Robert Parry[10]. Eles incluem admissão de
crimes de guerra rebeldes, de treinamento de operações especiais dentro da
Líbia aproximadamente a partir do início dos protestos, e da Al Qaeda
incorporada na oposição apoiada pelos EUA; Os temas chave da propaganda para
intervenção violenta são reconhecidamente serem meros rumores. Parry sugere que
esses podem ter se originado com o próprio Blumenthal. Eles incluem a bizarra
alegação que Gaddafi tinha uma “política de estupro” envolvendo passar Viagra
para suas tropas, uma acusação posteriormente levantada pela embaixadora dos
EUA na ONU Susan Rice em uma apresentação na ONU. Parry pergunta retoricamente:
Então você acha que seria mais fácil para a administração do governo de Obama reunir apoio por trás desta “mudança de regime” explicando como o governo francês queria roubar a riqueza líbia e manter a influência neocolonial francesa sobre a África – ou iriam os americanos responder melhor aos temas de propaganda sobre Gaddafi distribuindo Viagra para suas tropas de modo que eles pudessem estuprar mais mulheres enquanto seus franco-atiradores atacavam crianças inocentes? Bingo!
Derrubando
o esquema financeiro global
A
tentativa ameaçada de Gaddafi para estabelecer uma moeda africana independente
não foi considerada levemente pelos interesses ocidentais. Em 2011, Sarkozy
supostamente chamou o líder líbio de uma ameaça à segurança financeira do mundo[11]. Como poderia este muito
pequeno país de seis milhões de pessoas representar tal ameaça? Primeiro alguns
antecedentes.
São os bancos, não os governos, que criam a maior parte
do dinheiro nas economias ocidentais, conforme o Bank of England recentemente
reconheceu. Isso vem ocorrendo por séculos, através do processo chamado de
empréstimo de “reserva fracionada.” Originalmente, as reservas eram em ouro. Em
1933, o presidente Franklin Roosevelt substituiu o ouro domesticamente com
reservas criadas pelo banco central, mas o ouro permaneceu como moeda de
reserva internacionalmente.
Em 1944, o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial foram criados em Bretton Woods, New Hampshire, para unificar
globalmente este sistema financeiro criado por banco. Uma decisão do FMI disse
que nenhum papel moeda poderia ter a base em ouro. Uma oferta de dinheiro
criada privadamente como dívida a juros requer uma contínua fonte de devedores;
e durante a seguinte metade do século, os mais desenvolvidos países iriam
entrar em dívida com o FMI[12]. Os empréstimos vieram
com restrições, incluindo políticas de “ajuste estrutural” envolvendo medidas
de austeridade e privatização de ativos públicos.
Depois de 1944, o dólar dos EUA negociou de forma
intercambiável com o ouro como moeda de reserva global. Quando os EUA não mais
estavam capazes de manter o dólar baseado em ouro, na década de 1970 fizeram um
acordo com a OPEP para “basear” o dólar em petróleo, criando o “petrodólar”.
Petróleo seria vendido somente em dólares americanos, os quais iriam ser
depositados em Wall Street e outros bancos internacionais.
Em 2001, insatisfeito com o valor cada vez menor que os
dólares que a OPEP estava pagando por seu petróleo, o Iraque de Saddam Hussein
quebrou o pacto e vendeu o dólar em euros. A mudança de regime seguiu
rapidamente, acompanhada pela destruição generalizada do país.
Na Líbia, Gaddafi também quebrou o pacto, mas ele fez
mais do que vender seu petróleo em outra moeda.
Assim estes desenvolvimentos são detalhados pela
blogueira Denise Rhyne:
Durante décadas, a Líbia e outros países africanos tinha estado tentando criar um padrão ouro pan-africano. A Líbia de Gaddafi e outros chefes dos Estados africanos queriam uma independente “moeda forte” pan-africana.
Sob a liderança de Gaddafi, as nações africanas tinham convocado ao menos duas vezes a unificação monetária. Os países discutiram a possibilidade de usar o dinar líbio e dirrã de prata como único dinheiro possível para comprar petróleo africano.
Até a recente invasão dos EUA/OTAN, o dinar de ouro era emitido pelo Banco Central da Líbia (CBL). O banco líbio era 100% estatal e independente. Os estrangeiros tinham que passar pelo banco central da Líbia para fazer negócios com a Líbia. O Banco Central da Líbia emitiu o dinar, usando as 143,8 toneladas de ouro.
A Líbia de Gaddafi (Presidente da União Africana de 2009) concebeu e financiou um plano para unificar a soberania dos Estados da África com uma moeda de ouro (Estados Unidos da África). Em 2004, um parlamento pan-africano (53 nações) estabeleceu planos para a Comunidade Econômica Africana – com uma única moeda de ouro até 2023.
As nações africanas produtoras de petróleo estavam planejando abandonar o petro-dólar, e exigir pagamento de ouro por petróleo / gás.
Mostrando
o que é possível
Gaddafi tinha feito mais que organizar um golpe
financeiro africano. Ele tinha demonstrado que independência financeira poderia
ser alcançada; Seu maior projeto de infraestrutura, o Great Man – made River,
estava transformando regiões áridas em um celeiro para a Líbia; e os 33$
bilhões do projeto estava sendo financiado sem juros nem dívida externa,
através do próprio banco estatal da Líbia.
Isso poderia explicar porque essa peça crítica de
infraestrutura foi destruída em 2011. A OTAN não somente bombardeou a tubulação[13], mas finalizou o projeto
bombardeando a fábrica que produz os tubos necessários para repará-la. A
paralisação de um sistema de irrigação servindo até 70% da população dificilmente
parece uma intervenção humanitária. Em vez disso, como o professor canadense
Maximilian Forte colocou em seu livro altamente embasado Slouching Towards Sirte:
Nato’s War on Libya and Africa[14]:
O objetivo da intervenção militar dos EUA era romper um padrão emergente de independência e uma rede de colaboração dentro da África que iria facilitar o aumento da autossuficiência africana. Isto está em desacordo com as ambições geoestratégicas e político econômicas das potências extracontinentais europeias, nomeadamente os EUA.
{Este é o resultado da intervenção "humanitária" dos globalistas no mais próspero país africano de então, a Líbia de Gaddafi. Foto do The New York Times } |
Mistério
resolvido
Os e-mails de Hillary Clinton jogam luz em outro enigma
observado pelos primeiros comentadores. Por que, dentro de semanas depois de
iniciar o combate, os rebeldes montaram seu próprio banco central? Robert
Wenzel escreveu[15]
no The Economic Policy Journal em
2011:
Isto sugere que nós temos um pouco mais que um bando de rebeldes correndo por aí e que há algumas influências bastantes sofisticadas. Eu nunca ouvi falar de um banco central sendo criado em questão de semanas a partir de uma revolta popular.
Tudo era altamente
suspeito, mas como Alex Newman concluiu num artigo de novembro de 2011[16]:
Se a recuperação do banco central e o corrupto sistema monetário global estavam realmente entre as razões para a derrubada de Gadhafi... talvez nunca possa ser conhecido com certeza – ao menos não publicamente.
Lá o assunto teria permanecido – suspeito, mas não
verificado como muitas histórias de fraude ou corrupção – se não pela
publicação dos e-mails de Hillary Clinton após uma investigação do FBI. Eles
acrescentaram substancial peso nas suspeitas de Newman: violenta intervenção
não se referia principalmente à segurança do povo. Era sobre a segurança dos
bancos, dinheiro e petróleo globais[17]
Tradução
e palavras entre chaves por Mykel Alexander
Notas {obs. algumas notas não foram colocadas pois os endereços virtuais foram retirados}
[1]
Fonte usada por Ellen Brown: ‘Clinton on Gaddafi: We came, we saw, he died’
[2] Fonte usada por Ellen Brown: “A New Libya, With ‘Very Little Time
Left’”, por Scott Shane e Jo Becker, 27/02/2016, The New York Times.
[3] Fonte usada por Ellen Brown: “Amnesty questions claim that Gaddafi
ordered rape as weapon of war”, por Patrick Cockburn, 24/06/2011, Independent.
[4] Fonte usada por Ellen Brown: “The Top Ten Myths in the War Against
Libya”, por Maximilian Forte, 31/08/2011, Counter
Punch.
[5] Fonte usada por Ellen Brown: “Clinton Emails on Libya Expose The Lie
of ‘Humanitarian Intervention’”, por Dan Kovalik, 22/01/2016 e atualização em
22/01/2017, Huffington Post.
[6] Fonte usada por Ellen Brown: “Libya: From Africa’s Wealthiest
Democracy Under Gaddafi to Terrorist Haven After US Intervention”, por Garikai
Chengu, 20/10/2015, Counter Punch.
[7] Fonte usada por Ellen Brown: “War Crime: NATO Deliberately Destroyed
Libya’s Water Infrastructure”, por Nafeez Ahmed, 30/05/2015, Truthout.
[8] Fonte usada por Ellen Brown: “Obama Readies to Fight in Libya,
Again”, por Jack Smith, 05/02/2016, Counter
Punch.
[9] Fonte usada por Ellen Brown: “Clinton Email Shows that Oil and Gold
Were Behind Regime Change In Libya”, por George Washington, 09/01/2016, Zero Hedge.
[10] “What
Hillary Knew about Libya”, por Robert Parry, 13/01/2016, Common Dreams.
[11] Fonte usada por Ellen Brown: “Gadhafi’s Gold-money Plan Would Have
Devastated Dollar”, por Alex Newman, 11/11/2011, The New American.
[13]Fonte usada
por Ellen Brown: “War Crime: NATO
Deliberately Destroyed Libya’s Water Infrastructure”, por Nafeez Ahmed, 30/05/2015,
Truthout.
[14] Fonte usada por Ellen Brown: “In his Ceasefire review, Dan
Glazebrook examines Maximilian Forte's withering indictment of liberal
humanitarianism and its collusion in imperialist designs on Africa, as seen in
NATO's Libya campaign of 2011.”, por Dan Glazebrook, 22/04/2013, Ceasefire.
[15] Fonte usada por Ellen Brown: “Libyan rebels form central bank”, por
Robert Wenzel, Economic Policy Journal.
[16] Fonte usada por Ellen Brown: “Gadhafi’s Gold-money Plan Would Have
Devastated Dollar”, por Alex Newman, 11/11/2011, The New American.
[17] Nota do Tradutor Com Gaddafi a Líbia ocupava em 2010 a 54 ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. É fundamental registrar que entre um ano e outro são poucos países que mudam de posição no ranking mundial, e ainda assim isso ocorre geralmente em uma ou duas posições, mas no caso da Líbia, de 2010 para 2011 ela desceu 10 posições após a alegada intervenção humanitária, e agora ocupa a 108ª posição, descendo desde a queda de Gaddafi surreais 54 posições.
http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr_2011_pt_complete.pdf (relatório 2011)
http://hdr.undp.org/sites/default/files/2018_human_development_statistical_update.pdf (relatório para 2017)
http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/LBY (consulta em 11/03/2019 - referente a setembro de 2018).
Desenvolvimento 1990 – 2017: http://hdr.undp.org/en/data
Fonte: https://ellenbrown.com/2016/03/13/exposing-the-libyan-agenda-a-closer-look-at-hillarys-emails/
Sobre a autora: Ellen Brown é
advogada e presidente do Public Banking Institute, http://PublicBankingInstitute.org . No último de seus onze livros, ela
mostra como um cartel privado tem usurpado o poder de criar dinheiro do próprio
povo, e como nós, o povo podemos obtê-lo de volta. Seus websites são: http://webofdebt.com e http://ellenbrown.com .
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