terça-feira, 24 de outubro de 2017

Monoteísmo x Politeísmo – por Tomislav Sunić



Tomislav Sunić

            Podemos nós ainda conceber o renascimento da sensibilidade pagã em uma época tão profundamente saturada pelo monoteísmo judaico-cristão e tão ardentemente aderida aos princípios da democracia liberal? Na linguagem popular, a própria palavra “paganismo” pode incitar alguém para o escárnio e o riso. Quem, depois de tudo, quer ser associado com bruxas e bruxarias, com feitiçaria e magia negra? Adorar animais ou plantas, ou cantar hinos para Wotan ou Zeus, em uma época de televisão a cabo e “equipamentos inteligentes”, não traz bons augúrios para o sério questionamento acadêmico e intelectual.

           Ainda, antes de nós começarmos amontoar o desprezo pelo paganismo, nós iremos fazer uma pausa por um momento. Paganismo não é apenas bruxas e bebidas fermentadas por bruxas, paganismo também significa uma mistura de teorias altamente especulativas e filosóficas. Paganismo é Sêneca e Tácito, é um movimento artístico e cultural que varreu a Itália sobre a bandeira da Renascença. Paganismo também significa Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Charles Darwin, e uma série de outros pensadores associados com a herança cultural ocidental. Dois mil anos de judaico-cristianismo não têm obscurecido o fato que o pensamento pagão não tem ainda desaparecido, embora ele tenha sido frequentemente turvado, sufocado, ou perseguido por religiões monoteístas e suas ramificações seculares.

            Indubitavelmente, muitos iriam admitir que no reino da ética todos homens e mulheres do mundo são os filhos de Abraão. De fato, mesmo os mais ousados que de certa forma alegam por si mesmos ter rejeitado a teologia judaica ou cristã, e que alegam ter substituído elas com “humanismo secular,” frequentemente ignoram que suas crenças alto intitulada seculares são firmemente baseadas na ética judaico-cristã. Abraão e Moisés podem ser destronados hoje, mas seus editos morais e ordenanças espirituais estão vivos. O mundo global e desencantado, acompanhado pela litania dos direitos humanos, da sociedade ecumênica, e o Estado de Direito – Não são estes  princípios que podem ser traçados diretamente do messianismo judaico cristão que ressurge nesta secular versão sob a roupagem elegante das modernas ideologias “progressivas”?

            E ainda, nós devemos não esquecer que o mundo ocidental não começou com o nascimento de Cristo. Nem as religiões dos antigos europeus veem a primeira luz do dia com Moisés – no deserto. Nem a nossa tão apregoada democracia começou com o período do Iluminismo ou com a proclamação da independência americana. Democracia e independência – tudo isto existiu na antiga Grécia, embora em seu único contexto social e religioso. Nossos ancestrais greco-romanos, nossos predecessores que percorriam as florestas da Europa central e do norte, também acreditavam em honra, justiça, e virtude, embora eles vinculassem à estas noções um significado radicalmente diferente. Tentar julgar, portanto, as manifestações políticas religiosas da antiga Europa através das lentes de nossos óculos etnocêntricos e reducionista pode significar perder de vista o quanto nós rompemos de nossa herança antiga, bem como esquecer que a moderna epistemologia e metodologia têm sido grandemente influenciadas pela Bíblia.

            Apenas porque nós professamos otimismo histórico – ou acreditamos no progresso do moderno “Estado terapêutico” – não necessariamente significa que nossa sociedade é de fato o “melhor dos mundos”. Nós sabemos, com a morte do comunismo, com a exaustão do liberalismo, com a visível depleção das congregações nas igrejas e sinagogas, nós temos testemunhados a aurora do neopaganismo, um novo florescimento das velhas culturas, um retorno para as raízes que são diretamente ligadas aos nossos antigos precursores europeus. Quem pode contestar o fato que Atenas foi o lar dos europeus antes de Jerusalém tornar o frequentemente doloroso edifício deles?

            Grande lamentar é ouvido hoje de todos os cantos de nosso desencantado e estéril mundo. Deuses parecem ter partido, conforme Nietzsche previu um século atrás, ideologias estão mortas, e o liberalismo dificilmente parece capaz de fornecer o homem com suporte espiritual duradouro. Talvez o tempo tenha chegado para procurar por outros paradigmas? Talvez o momento é maduro, como Alain de Benoist iria argumentar, para vislumbrar outra revolução cultural e espiritual – uma revolução que pode bem encarnar nossa herança pagã europeia pré-cristã?

Tradução por Mykel Alexander


Partenon em Atenas na Grécia, construído em 432. a.C.



Este artigo foi publicado originalmente em Chronicles (A Magazine of American Culture), abril de 1996.

Sobre o autor: Tomislav Sunić (1953 – ), nascido na Croácia, é um autor, diplomata, tradutor, professor de Ciência Política, historiador. Estudou francês, inglês e literatura na Universidade de Zagreb. Tem mestrado na Califórnia State University e recebeu seu doutorado em Ciência Política na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. De 1993 até 2001 ele trabalhou como funcionário do governo croata em diversas posições diplomáticas em Zagreb, Londres, Compenhagen e Bruxelas. Entre seus livros estão:

 Against Democracy and Equality: The European New Right – 1ª edição (New York: P. Lang, 1990), 2ª edição (Newport Beach, CA: Noontide Press, 2004), e 3ª edição (London: Arktos Media, 2011). Em espanhol foi publicado como Contra la Democracia y la Igualdad: La Nueva Derecha Europea (Tarragona: Ediciones Fides, 2014)

Homo americanus: Child of the Postmodern Age (USA: Book Surge Publishing, 2007).Tradução espanhola: Homo Americanus: Hijo de la Era Postmoderna (Barcelona: Ediciones Nueva República, 2008).Tradução francesa: Homo Americanus: Rejeton de l’ère postmoderne (Saint-Genis-Laval: Akribeia, 2010).

Postmortem Report: Cultural Examinations from Postmodernity (Shamley Green, UK: The Paligenesis Project, 2010).

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6 comentários:

  1. Muito bom texto! temos que ir a raiz ancestral buscar o que a de melhor e resgatar as tradições.

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    1. Existe uma máxima que é a de que os valores que edificam uma civilização são os mesmos que devem também sustentá-la, para fazê-la perdurar.

      Quando o Império Romano começou entrar em decadência, aproximadamente no III século d.C. os valores greco-romanos foram substituídos pelos mandamentos da Igreja Católica, e o Império Romano colapsou no século VI d.C. Vieram então quatro séculos de vazio da cultura em alto nível, só voltando a dar sinais de vida o Ocidente através de John Scotus Eriugena no século IX d.C.

      Então veio o auge da Idade Média nos séculos XII e XIII, que conjugava valores católicos e valores legitimamente europeus, implícitos, (galos, germânicos, anglos, greco-romanos), mas ainda não era nem de perto o nível da cultura greco-romana.

      Pois bem, foi o saber greco-romano, o que realmente fez surgir o alto nível cultural do Ocidente, e tal impulso, após a Idade Média, procedeu das correntes greco-romanas do Renascimento... isto no século XV, ou seja, em suma, voltamos a crescer por causa do retorno às verdadeiras origens europeias, e não por causa do semitismo, seja judeu, cristão ou islâmico.

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  2. O interessante neste artigo é a relação que o autor faz entre a cultura judaico-cristã com os costumes politico da direita-liberal. E a falta de conhecimento e vivencia da tradição que consequentemente leva a essa decadência moral (modernismo).

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    1. A grande virtude, para mim, do autor, Tomislav Sunić, é que ele capta bem as ideias gerais e a mentalidade geral, então ele escreve artigos bem pedagógicos em linguagem muito simples e didática, é verdade que também ele desemboca em simplismos grandes as vezes, conforme abaixo:

      Ele coloca como paganismo tudo que não é cristão, o que não é certo. Em rigor o que é pagão é referente as tradições (tradição é o que é transmitido para as pessoas após um ser divino fazer o ensinamento/revelação) e costumes dos camponeses (práticas que seriam não necessariamente procedentes de um ser divino elevado, podendo ser oriundas de forças da natureza, tais como fontes, bicas, clareiras e entidades sutis que nesses lugares habitam / conectam-se), mas por exemplo, a tradições pitagórica, platônica, aristotélica, estóica e neo-platônicas não são necessariamente de locais dos campos como acima citado, podem proceder dum local acadêmico como a Academia de Platão ou o Liceu de Aristóteles, no caso deste último pouco há relacionado com entidades sutis, mas ainda sim é considerado paganismo. Da mesma maneira chamou-se de pagãs as tradições do Egito, Assíria, Mesopotâmia... até que tudo que não era cristão passou a ser chamado de pagão, mesmo não sendo exatamente oriundo dos bosques e campos. No final o que não era cristão era generalizado como pagão.

      Daí ele chamar Nietzsche (filósofo e até ateu) e Darwin (teria rompido com cristianismo e tornado-se agnóstico, que considera a divindade algo possível ou necessário, porém sem dar precisões escatológicas ou teológicas) de pagãos mesmo ambos não sendo, simplesmente porque tornou-se costume chamar de pagão qualquer um que não fosse ateu mas considerasse um força superior não bíblica.

      O principal ponto que vejo no artigo de Tomislav Sunić é que ele da mesma maneira que concede que no paganismo há "bruxas e bruxarias, com feitiçaria e magia negra", todavia, há coisas superiores de altíssimo nível, como Sêneca citado por ele que é um representante da maior importância do pensamento estóico e suficiente para ser guia de vida para as pessoas, particularmente para mim, superior em quase tudo ao cristianismo.

      Mostrar que fora do cristianismo há coisas piores que o cristianismo e melhores que cristianismo é talvez a grande chamada deste artigo do Tomislav Sunić.

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  3. Então não seria certo afirmar que o Bhagavad Gita e o Dhammapada são livros pagãos(interrogação).

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    1. Vamos ver o The Oxford Classical Dictionary:

      PAGANUS, um habitante de um PAGUS (área de terra com sua população distinta das aglomerações urbanas) mas também pode significar o indivíduo local, um civil (conotação usada por Tácito, Julio César e Plínio entre outros). Respondendo a pergunta, nesse caso budismo e hinduísmo não são pagãos necessariamente.

      No uso cristão é o referente aos que não seguem a fé cristã (conotação usada por Tertuliano) Respondendo a pergunta, nesse caso budismo e hinduísmo são pagãos. Nesse caso Darwin em sua fase de agnóstico pode ser pagão.

      Podem ser não judeus (conotação usada por Santo Agostinho). Respondendo a pergunta, nesse caso budismo e hinduísmo são pagãos.

      Podem ser pessoas rústicas, sem cultura (conotação usada por Orosio e Prudêncio). Respondendo a pergunta, nesse caso budismo e hinduísmo não são pagãos necessariamente.

      Até aqui o termo tratou das conotações desenvolvidas até a antiguidade tardia (aproximadamente século VI d.C), abaixo pode-se perceber que o termo foi muito ampliado, no decorrer da Idade Média até os dias atuais.

      No dicionário Houaiss pode ser:

      Etimologia de pagānus 'homem da aldeia, aldeão, cidadão que não é soldado, paisano, pagão, gentil'. Respondendo a pergunta, nesse caso budismo e hinduísmo não são pagãos necessariamente.

      Aquele que não foi batizado, adepto de qualquer religião que não adota o batismo ou adota o politeísmo. Respondendo a pergunta, nesse caso budismo e hinduísmo são pagãos. Nesse caso Darwin em sua fase de agnóstico pode ser pagão.

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      Há outras implicações tais como a harmonização de monoteísmo com politeísmo, isto é, um deus supremo (monoteísmo) porém suas expressões no universo e na terra recebem nomes e símbolos de forças ou deuses (politeístas), porém tudo são expressões de um só Deus, que é o que ocorre nas principais tradições não abraâmicas (isto é, ocorrem nas tradições não judaicas, não cristãs e não islâmicas).

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