domingo, 9 de fevereiro de 2020

Fraudulentas citações nazistas - Por Mark Weber


Mark Weber

              Citações falsificadas atribuídas à Hitler e outros líderes do Terceiro Reich têm sido amplamente circuladas por anos. Tais citações são frequentemente utilizadas pelos polemistas – ambos da esquerda e da direita – para desacreditar seus adversários ideológicos mostrando que os nazis mantinham similares opiniões. Esta tática funciona porque as pessoas têm sido educadas para acreditar que qualquer coisa que Hitler e os outros nazis pensavam ou diziam eram coisas malevolentes, equivocadas ou malignas, e que nenhuma pessoa razoável ou ética poderia sustentar similares pontos de vista.

Aqui está uma olhada em umas poucas das muitas citações falsamente atribuídas à Hitler ou a outros nazistas do topo.


Goebbels: ‘A verdade é a Inimiga do Estado’

O chefe de propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, supostamente disse:
“Se você dizer uma mentira suficientemente grande e mantém repetindo ela, as pessoas irão eventualmente vir a acreditar nela. A mentira pode ser mantida por determinado período conforme o Estado possa proteger o povo das consequências políticas, econômicas e/ou militares da mentira. Ela, assim, torna-se vitalmente importante para o Estado usar todo seu poder para reprimir a dissidência, pois a verdade é a mortal inimiga da mentira, e assim, por extensão, a verdade é a maior inimiga do Estado.”
            Rush Limbaugh, o popular comentador de rádio americano, é apenas um dos muitos americanos influentes que tem citado esta citação. Durante uma transmissão de rádio em maio de 2007 ele alegou que estas colocações são “da sala de guerra de Hitler, do propagandista sem sinceridade, no comando, Joseph Goebbels,” que estava “falando por seus companheiros no partido nazista.” Limbaugh passou a alegar que os líderes do “Partido Democrata” americano estavam utilizando “uma versão” da técnica de Goebbels para tentar “reprimir a dissidência”. E em janeiro de 2011 o congressista americano Steve Cohen, um político do partido democrata do Tennessee, acusou republicanos de propagar “uma grande mentira, assim como Goebbels” sobre um plano nacional de saúde.

            De fato, as visões de Goebbels foram bastante diferentes do que esta fraudulenta citação sugere. Ele regularmente sustentou que a propaganda deve ser precisa e verdadeira.

            Ninguém tem sido capaz de citar uma fonte para esta infame citação da “grande mentira.” Isso porque Goebbels nunca escreveu ou pronunciou estas palavras. Suas visões eram realmente muito diferentes do que esta citação sugere.

            Ele sustentou consistentemente que, para ser efetiva, a propaganda deve ser precisa e verdadeira. Num discurso proferido em setembro de 1934 em Nuremberg, ele disse: “A boa propaganda não necessita mentir, na verdade, ela não pode mentir. Não há nenhuma razão para temer a verdade. É um erro acreditar que as pessoas não podem pegar a verdade. Elas podem. É somente uma questão de apresentar a verdade para as pessoas numa maneira a qual elas sejam capazes de compreender. Uma propaganda que mente prova que ela tem uma causa ruim. Ela não pode ser bem-sucedida em longo prazo.”

            Num artigo escrito em 1941, ele citou exemplo das falsas afirmações britânicas em tempos de guerra, e passou a acusar que os propagandistas britânicos tinham adotado a técnica da “grande mentira” que Hitler tinha identificado e condenado em seu livro Minha Luta. Goebbels escreveu: “O inglês segue o princípio que quando alguém mente, a mentira deve ser grande, e a cumpre. Eles sustentam as mentiras deles, mesmo sob o risco de parecer ridículo. ”


Hitler e o controle de armas

            Em um discurso, algumas vezes dito ter sido proferido em 1935, Hitler supostamente tinha exclamado: “Este ano vai entrar para a história! Pela primeira vez, uma nação civilizada tem completo registro de armas! Nossas ruas estarão mais seguras, nossa polícia mais eficiente, e o mundo irá seguir nossa liderança rumo ao futuro!”

            Esta citação tem sido popular com os americanos que defendem o direito constitucional para “possuir e portar armas.” Ela é citada para desacreditar aqueles que apoiam restrições na posse e uso de armas de fogo. Ela é citada também para apoiar a frequentemente feita acusação que Hitler e seu governo reduziram a posse de armas na Alemanha, e confiscaram as armas possuídas por cidadãos particulares.

            A verdade é bem diferente. Quando Hitler e seu Partido Nacional-Socialista assumiram o poder no início de 1933, eles herdaram uma restritiva lei de armas de fogo que o governo liberal-democrata de “Weimar” tinha implementado cinco anos antes. Em 1938 o governo de Hitler revisou esta lei anterior, soltando estas restrições, desse modo aumentando os direitos dos alemães para possuírem armas. O mais completo confisco de armas de fogo imposto sobre os alemães foi realizado no fim da Segunda Guerra Mundial pelas forças de ocupação dos Estados Unidos e outros vitoriosos poderes Aliados.


Hitler sobre ‘Lei e Ordem’

           Hitler é suposto ter dito durante um discurso em 1932, pouco antes dele se tornar chanceler:
“As ruas de nossas cidades estão em turbulência. As universidades estão cheias de estudantes se rebelando e tumultuando. Os comunistas estão procurando destruir nosso país. A Rússia está ameaçando-nos com seu poder e a República está em perigo. Sim, perigo interior e exterior. Nós necessitamos lei e ordem! Sim, sem lei e ordem nossa nação não pode sobreviver... Elejam-nos e nós iremos restaurar a lei e a ordem. Nós iremos, por lei e ordem, ser respeitados entre as nações do mundo. Sem lei e ordem nossa República irá fracassar.”

            Esta citação, a qual se destina a embaraçar e desacreditar aqueles que apoiam a “lei e ordem”, foi especialmente popular com os jovens americanos durante os finais dos anos da década de 1960 e início da década de 1970. Ela apareceu em pôsteres e em 1971 no filme “Billy Jack.”

            Em seus muitos discursos da campanha de eleição em 1932 Hitler destacou os temas da justiça, liberdade, empregos e unidade nacional – não “lei e ordem”. As universidades alemães em 1932 não estavam “cheias de estudantes se rebelando e tumultuando.” De fato, os estudantes alemães estavam entre os mais ferventes apoiadores de Hitler e de seu Movimento Nacional Socialista.


Goering sobre a cultura      
           
            Hermann Goering, um alto oficial do Terceiro Reich, é frequentemente citado como tendo dito: “Sempre que eu ouço a palavra cultura, eu pego meu revolver.” O Reichsmarschall Goering (Göring), que foi comandante da força aérea alemã, nunca teria dito algo como isto. Junto com outros líderes do alto escalão do Terceiro Reich, ele estimou as artes, e se orgulhava ele mesmo de sua apreciação da cultura.

            Esta citação é uma distorção de um verso de um personagem no filme Schlageter do escritor alemão Hanns Johst. O verso original (traduzido) é “Quando eu ouço [a palavra] cultura... eu libero a trava de segurança da minha browning!” Uma versão desta citação é apresentada em uma cena no filme de propaganda do período de guerra, “Why We Fight”, feito pelo governo dos EUA, para sugerir que o típico “nazi” era um bandido sem cultura.


Hitler e a consciência

            “Eu estou liberando o homem da degradante quimera conhecida como consciência,” é suposto ter sido dito por Hitler. Esta vastamente repetida citação aparece, por exemplo, em The Great Quotations, uma coleção supostamente fidedigna compilada pelo jornalista judeu-americano e autor Geoge Seldes. É uma versão de um comentário atribuído à Hitler por Hermann Rauschining em seu livro, The Voice of Destruction (Conversações com Hitler), o qual é uma fonte de muitas citações fraudulentas supostamente baseadas em conversas privadas com Hitler que, na verdade, nunca ocorreram.

            O texto “original” desta citação, conforme apresentado por Rauschining, é: “A Providência tem ordenado que eu deva ser o maior libertador da humanidade. Eu estou libertando o homem das amarras de uma inteligência que tem sido carregada; da sujeira e degradantes auto-mortificações de uma quimera chamada consciência e moralidade, e das exigências de uma liberdade e independência pessoa a qual somente muitos poucos podem suportar.”

            Na verdade, Hitler repetidamente enfatizou a importância de atuar conscientemente. Por exemplo, em pelo menos três diferentes discursos ou afirmações públicas em 1941 somente, ele falou sobre atuar de acordo com sua consciência. Rudolf Hess, um amigo próximo e colega de confiança, uma vez disse que sua devoção para Hitler era baseada em grande medida em sua relação para a resoluta consciência de Hitler. Em um discurso de 1934 Hess disse: “A consciência de uma personalidade moral é de longe uma maior proteção contra o uso indevido de um cargo do que a supervisão de um parlamento ou a separação dos poderes. Eu não conheço ninguém que tenha uma consciência mais forte, ou mais verdadeira para seu povo, que Adolf Hitler... O mais alto tribunal do Führer é sua consciência e sua responsabilidade para com seu povo e para com a história.”


Hitler: ‘Destruir por todos os meios’

            O filme de propaganda do governo dos EUA, “Why We Fight,” cita Hitler como tendo dito: “Meu lema é ‘Destrua tudo por todos os meios. O Nacional Socialismo irá reformular o mundo’.” Esta é uma versão de um comentário atribuído à Hitler por Hermann Rauschining em seu influente livro. O texto “original”, conforme apresentado por Rauschining, é: “Eu quero guerra. Para mim todos os meios estarão certos... Meu lema não é 'não faça, seja o que for, que irrite o inimigo!' Meu lema é 'Destrua ele por todos os meios.' Eu sou o que vai fazer a guerra!” Outra versão deste inventado comentário aparece no livro Hitler and Nazism (1961), pelo historiador Louis Leo Snyder, que foi um professor no City College de Nova Iorque.

                         
Hitler sobre o Terrorismo

            Hitler tem frequentemente sido citado como tendo dito: “Terrorismo é a melhor arma política, pois nada vence mais as pessoas duras que o medo da morte súbita.” Esta citação é baseada em duas comentários inventados no extravagante livro de Hermann Rauschining, The Voice of Destruction.


Hitler: ‘Nós somos bárbaros’

            Hitler tem frequentemente sido citado como tendo dito: “Eles referem-se a mim como um bárbaro sem educação. Sim, nós somos bárbaros. Nós queremos ser bárbaros, isso é um honrado título para nós. Nós iremos rejuvenescer o mundo. Este mundo está perto de seu fim.”

            Esta é outra citação fraudulenta do fantasioso trabalho de Hermann Rauschining.


Hitler e a ‘Juventude Brutal’

            “Uma juventude violentamente ativa, dominante, intrépida e brutal – isto é o que estou buscando... Eu quero ver nos olhos deles o brilho do orgulho e independência, de rapina. Não haverá nenhum treinamento intelectual. Conhecimento é a ruina dos meus jovens homens.” Esta colocação vastamente citada é incluída, por exemplo, no The Great Quotations de George Seldes. A fonte citada por Seldes é um item no The Nation do popular jornalista americano e autor John Gunther (1901 – 1970).

            Na verdade, esta é uma versão de uma afirmação atribuída à Hitler por Hermann Rauschining, cujo imaginativo trabalho é uma fonte de muitas “citações” falsificadas. Outra fraudulenta citação de Hitler com esse mesmo espírito e da mesma fonte, igualmente citada pelo supostamente fidedigno Seldes, é esta: “A educação Universal é o veneno mais corrosivo e desintegrante que o liberalismo jamais inventou para sua própria destruição.”

            Estes comentários deturpam os reais pontos de vista de Hitler. De fato, a Alemanha Nacional Socialista era mundialmente líder em ciência, tecnologia, ensino e medicina. Hitler era admirado por alguns dos principais intelectuais da época, incluindo Knut Hamsun , Ezra Pound , Louis-Ferdinand Celine  e Martin Heidegger .

Tradução e palavras entre chaves por Mykel Alexander
           


Referências para futuras leituras:

Randall Bytwerk, “False Nazi Quotations”


Paul F. Boller, Jr. and John George, They Never Said It: A Book of Fake Quotes, Misquotes, & Misleading Attributions (New York: Oxford, 1989).


Joseph Goebbels, “From Churchill's Factory of Lies,” ("Aus Churchills Lügenfabrik"), Janeiro de 1941. Reimpresso em Zeit ohne Beispiel


Joseph Goebbels, “Propaganda” (Nuremberg: 1934)


William L. Pierce, Gun Control in Germany 1928-1945 (1994)


John Toland, Adolf Hitler (1976)


Mark Weber, “Goebbels and World War II Propaganda,” 2011


Mark Weber, “Goebbels' Place in History,” The Journal of Historical Review, 1995.
Em português “O Lugar de Goebbels na História”, em World Traditional Front, 17 de janeiro de 2020,


Mark Weber, “Hitler as ‘Enlightenment Intellectual’: The Enduring Allure of Hitlerism,” 1997 {The Journal of Historical Review, setembro-outurbro. 1997 (Volume 16, número 5), páginas 34-37.}


Mark Weber, “Rauschning's Phony 'Conversations With Hitler': An Update,” 1985 {The Journal for Historical Review, inverno de 1985-1986, Volume 6, número 4, página 499.}
Em português “Conversações falsificadas de Rauschning com Hitler: uma atualização”, em World Traditional Front, 1 de dezembro de 2019.




Fonte: Institute for Historical Review, 2011.




Sobre o autor: Mark weber é um historiador americano, escritor, palestrante e analista de questões atuais. Ele estudou história na Universidade de Illinois (Chicago), na Universidade de Munique (Alemanha), e na Portland State University. Ele possui um mestrado em História Europeia da Universidade de Indiana. Desde 1995 ele tem sido diretor do Institute for Historical Review, um centro independente de publicações, educação e pesquisas de interesse público, no sul da Califórnia, que trabalha para promover a paz, compreensão e justiça através de uma maior consciência pública para com o passado.

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