John J. Mearsheimer |
Quem Causou a Guerra da
Ucrânia?
John J. Mearsheimer
A
questão de quem é responsável por causar a guerra na Ucrânia tem sido um
assunto profundamente controverso desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de
fevereiro de 2022.
A
resposta para esta questão enormemente importante porque a guerra tem sido um
desastre por várias razões, sendo a mais importante delas o fato de a Ucrânia
ter sido efetivamente destruída. Ela perdeu uma quantidade substancial de seu
território e provavelmente perderá mais, sua economia está em frangalhos, um
grande número de ucranianos estão deslocados internamente ou fugiram do país e
o país sofreu centenas de milhares de baixas. É claro que a Rússia também pagou
um preço de sangue significativo. Em nível estratégico, as relações entre a
Rússia e a Europa, para não mencionar a Rússia e a Ucrânia, foram envenenadas
num futuro próximo, o que significa que a ameaça de uma grande guerra na Europa
estará conosco bem depois que a guerra da Ucrânia se transformar em um conflito
congelado. Quem é responsável por esse desastre é uma questão que não
desaparecerá tão cedo e, se houver, provavelmente se tornará mais proeminente à
medida que a extensão do desastre se tornar mais evidente para mais pessoas.
A
sabedoria convencional no Ocidente é que Vladimir Putin é responsável por
causar a guerra na Ucrânia. A invasão tinha como objetivo conquistar toda a
Ucrânia e torná-la parte de uma Rússia maior, segundo o argumento. Uma vez que
esse objetivo fosse alcançado, os russos passariam a criar um império no leste
da Europa, assim como a União Soviética fez após a Segunda Guerra Mundial.
Portanto, Putin é, em última análise, uma ameaça para o Ocidente e deve ser
enfrentado com força. Em resumo, Putin é um imperialista com um plano mestre
que se encaixa perfeitamente em uma rica tradição russa.
O
argumento alternativo, com o qual eu me identifico e que é claramente a visão
minoritária no Ocidente, é que os Estados Unidos e seus aliados provocaram a
guerra. Isso não significa negar, é claro, que a Rússia invadiu a Ucrânia e
iniciou a guerra. Mas a principal causa do conflito é a decisão da OTAN de
trazer a Ucrânia para a aliança, que praticamente todos os líderes russos veem
como uma ameaça existencial que deve ser eliminada. A expansão da OTAN, no
entanto, faz parte de uma estratégia mais ampla projetada para tornar a Ucrânia
um baluarte ocidental na fronteira da Rússia. Trazer Kiev para a União Europeia
(UE) e promover uma revolução colorida na Ucrânia – transformando-a em uma democracia
liberal pró-ocidental – são as outras duas pontas do forcado da política. Os
líderes russos temem todas as três pontas, mas o que mais temem é a expansão da
OTAN. Para lidar com essa ameaça, a Rússia lançou uma guerra preventiva em 24
de fevereiro de 2022.
O
debate sobre quem causou a guerra na Ucrânia esquentou recentemente quando dois
importantes líderes ocidentais – o ex-presidente Donald Trump e o importante
parlamentar britânico Nigel Farage – argumentaram que a expansão da OTAN foi a
força motriz por trás do conflito. Não é de surpreender que seus comentários
tenham sido recebidos com um feroz contra-ataque dos defensores da sabedoria
convencional. Também vale a pena observar que o secretário-geral da OTAN que
está deixando o cargo, Jens Stoltenberg, disse duas vezes no ano passado que “o
presidente Putin começou essa guerra porque queria fechar a porta da OTAN e
negar à Ucrânia o direito de escolher seu próprio caminho”. Quase ninguém no
Ocidente contestou essa notável admissão do chefe da OTAN e ele não se
retratou.
Meu
direção apontada aqui é fornecer uma cartilha que exponha os principais pontos
que sustentam a opinião de que Putin invadiu a Ucrânia não por ser um
imperialista empenhado em tornar a Ucrânia parte de uma Rússia maior, mas
principalmente por causa da expansão da OTAN e dos esforços do Ocidente para
tornar a Ucrânia um reduto ocidental na fronteira da Rússia.
*****************
Deixe-me
começar com as SETE RAZÕES PRINCIPAIS para rejeitar a sabedoria convencional.
PRIMEIRO,
simplesmente não há nenhuma evidência anterior a 24 de fevereiro de 2022 de que
Putin queria conquistar a Ucrânia e incorporá-la à Rússia. Os defensores da
sabedoria convencional não conseguem apontar nada que Putin tenha escrito ou
dito que indique que ele estava empenhado em conquistar a Ucrânia.
Quando desafiados sobre esse ponto, os fornecedores da sabedoria convencional fornecem evidências que têm pouca ou nenhuma relação com os motivos de Putin para invadir a Ucrânia. Por exemplo, alguns enfatizam que ele disse que a Ucrânia é um “estado artificial” ou não é um “estado real”. Tais comentários opacos, no entanto, não dizem nada sobre o motivo que o levou a entrar em guerra. O mesmo se aplica à declaração de Putin de que ele vê russos e ucranianos como “um só povo” com uma história comum. Outros destacam que ele chamou o colapso da União Soviética de “a maior catástrofe geopolítica do século”. Mas Putin também disse: “Quem não sente falta da União Soviética não tem coração. Quem quer que ela volte não tem cérebro”. Ainda assim, outros apontam para um discurso no qual ele declarou que “a Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia ou, para ser mais preciso, pela Rússia bolchevique e comunista”. Mas isso dificilmente constitui evidência de que ele estava interessado em conquistar a Ucrânia. Além disso, ele disse no mesmo discurso: “É claro que não podemos mudar os eventos passados, mas devemos pelo menos admiti-los aberta e honestamente.”
Para
fazer um caso de que Putin estava inclinado em conquistar toda a Ucrânia e
incorporá-la à Rússia, é necessário fornecer evidências de que 1) ele achava
que esse era um objetivo desejável, 2) ele achava que era um objetivo viável e
3) ele pretendia perseguir esse objetivo. Não há nenhuma evidência nos
registros públicos de que Putin estivesse contemplando, muito menos pretendendo
acabar com a Ucrânia como um estado independente e torná-la parte da grande
Rússia quando enviou suas tropas para a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
De
fato, há evidências significativas de que Putin reconheceu a Ucrânia como um
país independente. Em seu conhecido artigo de 12 de julho de 2021 sobre as
relações russo-ucranianas, que os defensores da sabedoria convencional costumam
apontar como prova de suas ambições imperiais, ele diz ao povo ucraniano:
“Vocês querem estabelecer um estado próprio: são bem-vindos!” Com relação a
como a Rússia deve tratar a Ucrânia, ele escreve: “Há apenas uma resposta: com
respeito”. Ele conclui esse longo artigo com as seguintes palavras: “E o que a
Ucrânia será, cabe a seus cidadãos decidir”. Essas declarações estão
diretamente em desacordo com a alegação de que Putin queria incorporar a
Ucrânia em uma Rússia maior.
No
mesmo artigo de 12 de julho de 2021 e novamente em um importante discurso que
ele fez em 21 de fevereiro de 2022, Putin enfatizou que a Rússia aceita “a nova
realidade geopolítica que tomou forma após a dissolução da URSS”. Ele reiterou
esse mesmo ponto pela terceira vez em 24 de fevereiro de 2022, quando anunciou
que a Rússia invadiria a Ucrânia. Em particular, ele declarou que “Não é nosso
plano ocupar o território ucraniano” e deixou claro que respeitava a soberania
ucraniana, embora apenas até certo ponto: “A Rússia não pode se sentir segura,
se desenvolver e existir enquanto enfrenta uma ameaça permanente do território
da atual Ucrânia”. Em essência, Putin não estava interessado em tornar a
Ucrânia parte da Rússia; ele estava interessado em garantir que ela não se
tornasse um “trampolim” para a agressão ocidental contra a Rússia.
SEGUNDO,
não há evidências de que Putin estivesse preparando um governo fantoche para a
Ucrânia, cultivando líderes pró-russos em Kiev ou adotando medidas políticas
que possibilitassem a ocupação do país inteiro e eventualmente integrá-lo à
Rússia.
Aqueles
fatos se chocam contra a face da alegação de que Putin estava interessado em
apagar a Ucrânia do mapa.
TERCEIRO,
Putin não tinha nem perto de ter tropas suficientes para conquistar a Ucrânia.
Vamos
começar com os números gerais. Há muito tempo eu calculava que os russos
invadiram a Ucrânia com, no máximo, 190.000 soldados. O general Oleksandr
Syrskyi, atual comandante-chefe das forças armadas da Ucrânia, disse
recentemente em uma entrevista ao The
Guardian que a força de invasão da Rússia era de apenas 100.000 homens. De
fato, o The Guardian usou esse mesmo
número antes do início da guerra. Não há como uma força de 100.000 ou 190.000
pessoas conquistar, ocupar e absorver toda a Ucrânia em uma Rússia maior.
Considere
que, quando a Alemanha invadiu a metade ocidental da Polônia em setembro de
1939, a Wehrmacht contava com cerca de 1,5 milhão de homens. A Ucrânia é
geograficamente três vezes maior do que a metade ocidental da Polônia era em 1939,
e a Ucrânia em 2022 tinha quase o dobro da população da Polônia quando os
alemães a invadiram. Se aceitarmos a estimativa do general Syrskyi de que
100.000 soldados russos invadiram a Ucrânia em 2022, isso significa que a
Rússia tinha uma força de invasão com 1/15 do tamanho da força alemã que
invadiu a Polônia. E esse pequeno exército russo estava invadindo um país que
era muito maior do que a Polônia, tanto em termos de tamanho territorial quanto
de população.
Deixando
os números de lado, há a questão da qualidade do exército russo. Para começar,
era uma força militar amplamente projetada para defender a Rússia de invasões.
Não era um exército preparado para lançar uma grande ofensiva que acabaria
conquistando toda a Ucrânia, muito menos ameaçando o resto da Europa. Além
disso, a qualidade das forças de combate deixava muito a desejar, pois os
russos não estavam esperando uma guerra quando a crise começou a esquentar na
primavera de 2021. Assim, eles tiveram pouca oportunidade de treinar uma força
de invasão qualificada. Em termos de qualidade e quantidade, a força de invasão
russa não estava nem perto de ser equivalente à Wehrmacht no final da década de
1930 e início da década de 1940.
Pode-se
argumentar que os líderes russos pensavam que as forças armadas ucranianas eram
tão pequenas e tão desarmadas que seu exército poderia facilmente derrotar as
forças da Ucrânia e conquistar todo o país. Na verdade, Putin e seus tenentes
estavam bem cientes de que os Estados Unidos e seus aliados europeus estavam armando
e treinando os militares ucranianos desde o início da crise, em 22 de fevereiro
de 2014. O grande medo de Moscou era que a Ucrânia estivesse se tornando um
membro de fato da OTAN. Além disso, os líderes russos observaram o exército
ucraniano, que era maior do que sua força de invasão, lutando efetivamente no
Donbass entre 2014 e 2022. Eles certamente entenderam que as forças armadas
ucranianas não eram um tigre de papel que poderia ser derrotado de forma rápida
e decisiva, especialmente porque contava com o poderoso apoio do Ocidente.
Finalmente,
ao longo de 2022, os russos foram forçados a retirar seu exército do oblast de
Kharkiv e da parte ocidental do oblast de Kherson. Na verdade, Moscou abriu mão
do território que seu exército havia conquistado nos primeiros dias da guerra.
Não há dúvida de que a pressão do exército ucraniano desempenhou um papel
importante para forçar a retirada russa. Porém, o mais importante é que Putin e
seus generais perceberam que não tinham forças suficientes para manter todo o
território que seu exército havia conquistado em Kharkiv e Kherson. Assim, eles
recuaram e criaram posições defensivas mais gerenciáveis. Esse não é o
comportamento que se espera de um exército que foi criado e treinado para
conquistar e ocupar toda a Ucrânia. É claro que ele não foi projetado para esse
fim e, portanto, não poderia realizar essa tarefa hercúlea.
QUARTO,
nos meses que antecederam o início da guerra, Putin tentou encontrar uma
solução diplomática para a crise que estava se formando.
Em
17 de dezembro de 2021, Putin enviou uma carta ao presidente Joe Biden e ao
chefe da OTAN, Stoltenberg, propondo uma solução para a crise com base em uma
garantia por escrito de que: 1) a Ucrânia não se juntaria à OTAN, 2) nenhuma
arma ofensiva seria estacionada perto das fronteiras da Rússia e 3) as tropas e
os equipamentos da OTAN transferidos para a Europa Oriental desde 1997 seriam
transferidos de volta para a Europa Ocidental. Seja qual for a opinião sobre a
viabilidade de se chegar a um acordo com base nas exigências iniciais de Putin,
sobre as quais os Estados Unidos se recusaram a negociar, isso mostra que ele
estava tentando evitar a guerra.
QUINTO,
imediatamente após o início da guerra, a Rússia entrou em contato com a Ucrânia
para iniciar negociações para acabar com a guerra e elaborar um modus vivendi
entre os dois países.
As
negociações entre Kiev e Moscou começaram na Bielorrússia apenas quatro dias
depois que as tropas russas entraram na Ucrânia. Esse caminho da Bielorrússia
acabou sendo substituído por um caminho israelense e também por um caminho de
Istambul. Todas as evidências disponíveis indicam que a Rússia estava
negociando seriamente e não estava interessada em absorver o território
ucraniano, exceto a Crimeia, que havia sido anexada em 2014, e possivelmente o
Donbass. As negociações terminaram quando os ucranianos, pressionados pela
Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos, abandonaram as negociações, que estavam
progredindo bem quando terminaram.
Além
disso, Putin relata que, quando as negociações estavam ocorrendo e progredindo,
foi solicitado a ele que retirasse as tropas russas da área ao redor de Kiev
como um gesto de boa vontade, o que ele fez em 29 de março de 2022. Nenhum
governo do Ocidente ou ex-político contestou a alegação de Putin, o que está
diretamente em desacordo com a alegação de que ele estava empenhado em
conquistar toda a Ucrânia.
SEXTO,
deixando a Ucrânia de lado, não há uma mínima evidência de que Putin estivesse
contemplando conquistar qualquer outro país no leste da Europa.
Além
disso, o exército russo nem sequer é grande o suficiente para invadir toda a
Ucrânia, muito menos para tentar conquistar os Estados Bálticos, a Polônia e a
Romênia. Além disso, todos esses países são membros da OTAN, o que quase
certamente significaria uma guerra com os Estados Unidos e seus aliados.
SÉTIMO,
dificilmente qualquer um no Ocidente argumentou que Putin tinha ambições
imperiais desde o momento em que assumiu as rédeas do poder em 2000 até o
início da crise na Ucrânia em 22 de fevereiro de 2014. Naquele momento, ele
subitamente se tornou um agressor imperial. Por quê? Porque os líderes
ocidentais precisavam de um motivo para culpá-lo por causar a crise.
Provavelmente,
a melhor evidência de que Putin não era visto como uma ameaça séria durante
seus primeiros 14 anos no cargo é que ele foi convidado para a cúpula da OTAN
de abril de 2008 em Bucareste, onde a aliança anunciou que a Ucrânia e a
Geórgia acabariam se tornando membros. Putin, é claro, ficou furioso com essa
decisão e tornou sua raiva conhecida. Mas sua oposição a esse anúncio não teve
praticamente nenhum efeito em Washington, pois as forças armadas da Rússia
foram consideradas fracas demais para impedir o aumento da OTAN, assim como
haviam sido fracas demais para impedir as ondas de expansão de 1999 e 2004. O
Ocidente achou que poderia mais uma vez enfiar a expansão da OTAN goela abaixo
da Rússia.
Relacionado,
a ampliação da OTAN antes de 22 de fevereiro de 2014 não tinha como objetivo
conter a Rússia. Dado o triste estado do poder militar russo, Moscou não estava
em posição de conquistar a Ucrânia, muito menos de seguir políticas revanchistas
no leste da Europa. De forma reveladora, o ex-embaixador dos EUA em Moscou,
Michael McFaul, que é um defensor ferrenho da Ucrânia e crítico mordaz de
Putin, observa que a tomada da Crimeia pela Rússia em 2014 não foi planejada
antes do início da crise; foi um movimento impulsivo em resposta ao golpe que
derrubou o líder pró-russo da Ucrânia. Em resumo, a expansão da OTAN não tinha
a intenção de conter uma ameaça russa, porque o Ocidente não acreditava que
houvesse uma.
Foi
somente quando a crise da Ucrânia eclodiu, em fevereiro de 2014, que os Estados
Unidos e seus aliados começaram a descrever Putin como um líder perigoso com
ambições imperiais e a Rússia como uma séria ameaça militar que a OTAN tinha de
conter. Essa mudança abrupta na retórica foi projetada para servir a um
propósito essencial: capacitar o Ocidente para culpar Putin pela crise e
absolver o Ocidente da responsabilidade. Como era de se esperar, essa
representação de Putin ganhou muito mais força depois que a Rússia invadiu a
Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
Há
uma reviravolta na sabedoria convencional que vale a pena mencionar. Alguns
argumentam que a decisão de Moscou de invadir a Ucrânia tem pouco a ver com o
próprio Putin e, em vez disso, faz parte de uma tradição expansionista que é
muito anterior a Putin e está profundamente enraizada na sociedade russa. Essa
propensão à agressão, que se diz ser impulsionada por forças internas, e não
pelo ambiente de ameaças externas da Rússia, levou praticamente todos os
líderes russos ao longo do tempo a se comportarem de forma violenta com seus
vizinhos. Não há como negar que Putin está no comando nessa história ou que ele
levou a Rússia à guerra, mas diz-se que ele tem pouco poder de ação. Quase
qualquer outro líder russo teria agido da mesma forma.
Há
dois problemas com esse argumento. Para começar, ele não é verificável, pois a
característica de longa data da sociedade russa que produz esse impulso
agressivo nunca é identificada. Diz-se que os russos sempre foram agressivos –
não importa quem esteja no comando – e sempre serão. É quase como se isso
estivesse em seu DNA. Essa mesma afirmação já foi feita sobre os alemães, que
eram frequentemente retratados durante o século XX como agressores congênitos.
Argumentos desse tipo não são levados a sério no mundo acadêmico por uma boa
razão.
Além
disso, quase ninguém nos Estados Unidos ou na Europa Ocidental caracterizou a
Rússia como inatamente agressiva entre 1991 e 2014, quando eclodiu a crise na
Ucrânia. Fora da Polônia e dos países bálticos, o medo da agressão russa não
foi uma preocupação frequentemente expressa durante esses vinte e quatro anos,
o que seria de se esperar se os russos estivessem programados para a agressão.
Parece claro que o surgimento repentino dessa linha de argumentação foi uma
desculpa conveniente para culpar a Rússia por causar a guerra na Ucrânia.
*****************
Deixe-me
mudar de marcha e apresentar as TRÊS
PRINCIPAIS RAZÕES para pensar que a expansão da OTAN foi a principal causa
da guerra na Ucrânia.
PRIMEIRO, os líderes
russos em mesa geral disseram repetidamente, antes do início da guerra, que
consideravam a expansão da OTAN para a Ucrânia uma ameaça existencial que
precisava ser eliminada.
Putin
fez várias declarações públicas expondo essa linha de argumentação antes de 24
de fevereiro de 2022. Falando ao Conselho do Ministério da Defesa em 21 de
dezembro de 2021, ele declarou: “o que eles estão fazendo, ou tentando ou
planejando fazer na Ucrânia, não está acontecendo a milhares de quilômetros de
distância de nossa fronteira nacional. Está na porta de nossa casa. Eles
precisam entender que simplesmente não temos mais para onde nos retirar. Será
que eles realmente acham que nós não estamos vendo essas ameaças? Ou eles acham
que nós simplesmente ficaremos parados assistindo o emergir de ameaças à
Rússia?” Dois meses depois, em uma coletiva de imprensa em 22 de fevereiro de
2022, poucos dias antes do início da guerra, Putin disse: “Nós somos
categoricamente contra a entrada da Ucrânia na OTAN porque isso representa uma
ameaça para nós, e temos argumentos para apoiar isso. Eu tenho repetidamente
falado sobre isso várias vezes neste salão”. Em seguida, ele deixou claro que
reconhecia que a Ucrânia estava se tornando um membro de fato da OTAN. Os
Estados Unidos e seus aliados, disse ele, “continuam a encher as atuais
autoridades de Kiev com tipos modernos de armas”. Ele continuou dizendo que, se
isso não for interrompido, Moscou “ficará com uma ‘antirrússia’ armada até os
dentes. Isso é totalmente inaceitável”.
Outros
líderes russos – incluindo o ministro da Defesa, o ministro das Relações
Exteriores, o vice-ministro das Relações Exteriores e o embaixador russo em
Washington – também enfatizaram a centralidade da expansão da OTAN como causa
da crise na Ucrânia. O ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, foi sucinto
em uma coletiva de imprensa em 14 de janeiro de 2022: “A chave para tudo é a
garantia de que a OTAN não se expandirá para o leste”.
Frequentemente,
ouve-se o argumento de que os temores russos eram infundados porque não havia
nenhuma chance de a Ucrânia entrar para a aliança em um futuro próximo, se é
que algum dia entraria. Na verdade, diz-se que os Estados Unidos e seus aliados
europeus deram pouca atenção à adesão da Ucrânia à OTAN antes da guerra. Mas
mesmo que a Ucrânia se unisse à aliança, isso não seria uma ameaça existencial
para a Rússia porque a OTAN é uma aliança defensiva. Portanto, a expansão da
OTAN não poderia ter sido a causa da crise original, que eclodiu em fevereiro
de 2014, ou da guerra que começou em fevereiro de 2022.
Essa
linha de argumentação é falsa. De fato, a resposta ocidental aos eventos de
2014 foi dobrar a estratégia existente e aproximar ainda mais a Ucrânia da
OTAN. A aliança começou a treinar os militares ucranianos em 2014, com uma
média de 10.000 soldados treinados anualmente nos oito anos seguintes. Em
dezembro de 2017, o governo Trump decidiu fornecer a Kiev “armas defensivas”.
Outros países da OTAN logo entraram em ação, enviando ainda mais armas para a
Ucrânia. Além disso, o exército, a marinha e a força aérea da Ucrânia começaram
a participar de exercícios militares conjuntos com as forças da OTAN. O esforço
do Ocidente para armar e treinar as forças armadas da Ucrânia explica, em
grande parte, por que ela se saiu tão bem contra o exército russo no primeiro
ano da guerra. Como dizia uma manchete do The
Wall Street Journal de abril de 2022, “O segredo do sucesso militar da
Ucrânia: Anos de treinamento da OTAN”.
Deixando
de lado os esforços contínuos da aliança para tornar o exército ucraniano uma
força de combate mais formidável que pudesse operar ao lado das tropas da OTAN,
houve um entusiasmo renovado no Ocidente durante 2021 para trazer a Ucrânia
para a OTAN. Ao mesmo tempo, o Presidente Zelensky, que nunca havia demonstrado
muito entusiasmo em trazer a Ucrânia para a aliança e que foi eleito em março
de 2019 em uma plataforma que pedia para trabalhar com a Rússia para resolver a
crise em curso, inverteu o curso no início de 2021 e não apenas abraçou a
adesão da Ucrânia à OTAN, mas também adotou uma abordagem de linha dura em
frente a Moscou.
O
presidente Biden, que se mudou para a Casa Branca em janeiro de 2021, há muito
tempo estava comprometido em trazer a Ucrânia para a OTAN e era um super-hawk
em relação à Rússia. Sem surpresa, em 14 de junho de 2021, a OTAN emitiu um
comunicado em sua cúpula anual em Bruxelas, que dizia: “Reiteramos a decisão
tomada na Cúpula de Bucareste de 2008 de que a Ucrânia se tornará membro da
Aliança”. Em 1º de setembro de 2021, Zelensky visitou a Casa Branca, onde Biden
deixou claro que os Estados Unidos estavam “firmemente comprometidos” com “as
aspirações euro-atlânticas da Ucrânia”. Então, em 10 de novembro de 2021, o
secretário de Estado Antony Blinken e seu colega ucraniano, Dmytro Kuleba,
assinaram um documento importante - a “Carta EUA-Ucrânia sobre Parceria
Estratégica”. O objetivo de ambas as partes, segundo o documento, é “enfatizar
(...) o compromisso com a implementação pela Ucrânia das reformas profundas e
abrangentes necessárias para a plena integração às instituições europeias e
euro-atlânticas”. Ele também reafirma explicitamente o compromisso dos EUA com
a “Declaração da Cúpula de Bucareste de 2008”.
Parece
haver pouca dúvida de que a Ucrânia estava no caminho certo para se tornar
membro da OTAN até o final de 2021. Mesmo assim, alguns defensores dessa
política argumentam que Moscou não deveria ter se preocupado com esse
resultado, porque “a OTAN é uma aliança defensiva e não representa uma ameaça
para a Rússia”. Mas não é assim que Putin e outros líderes russos pensam sobre
a OTAN, e o que importa é o que eles pensam. Em resumo, não há dúvida de que
Moscou viu a adesão da Ucrânia à OTAN como uma ameaça existencial que não seria
permitida se levantar.
SEGUNDO,
um número substancial de indivíduos influentes e altamente conceituados no
Ocidente reconheceu, antes da guerra, que a expansão da OTAN – especialmente na
Ucrânia – seria vista pelos líderes russos como uma ameaça mortal e,
eventualmente, levaria ao desastre.
William
Burns, que hoje dirige a CIA, mas era o embaixador dos EUA em Moscou na época
da cúpula da OTAN em abril de 2008 em Bucareste, escreveu um memorando para a
então Secretária de Estado Condoleezza Rice que descreve sucintamente o
pensamento russo sobre a entrada da Ucrânia na aliança. “A entrada da Ucrânia
na OTAN”, escreveu ele, “é a mais brilhante de todas as linhas vermelhas para a
elite russa (não apenas para Putin). Em mais de dois anos e meio de conversas
com os principais atores russos, desde os que se arrastam nos recônditos
sombrios do Kremlin até os críticos liberais mais ferrenhos de Putin, ainda não
encontrei ninguém que veja a Ucrânia na OTAN como algo diferente de um desafio
direto aos interesses russos”. A OTAN, disse ele, “seria vista (...) como um
desafio estratégico. A Rússia de hoje responderá. As relações russo-ucranianas
ficarão profundamente congeladas... Isso criará um solo fértil para a
interferência russa na Crimeia e no leste da Ucrânia”.
Burns
não foi o único formulador de políticas ocidental em 2008 que entendeu que
trazer a Ucrânia para a OTAN era muito perigoso. De fato, na cúpula de
Bucareste, tanto a chanceler alemã Angela Merkel quanto o presidente francês
Nicolas Sarkozy se opuseram a avançar com a adesão da Ucrânia à OTAN porque
entendiam que isso alarmaria e enfureceria a Rússia. Merkel explicou
recentemente sua oposição: “Eu tinha certeza (...) de que Putin não deixaria
isso acontecer. Do ponto de vista dele, isso seria uma declaração de guerra”.
Para
dar um passo adiante, vários formuladores de políticas e estrategistas
americanos se opuseram à decisão do Presidente Clinton de expandir a OTAN
durante os anos 90, quando a decisão estava sendo debatida. Esses oponentes
entenderam desde o início que os líderes russos veriam isso como uma ameaça aos
seus interesses vitais e que a política acabaria levando ao desastre. A lista
de oponentes inclui figuras proeminentes convencionalmente estabelecidas, como
George Kennan, o Secretário de Defesa do Presidente Clinton, William Perry, e
seu Presidente do Estado-Maior Conjunto, General John Shalikashvili, Paul Nitze, Robert Gates, Robert McNamara, Richard
Pipes e Jack Matlock, só para citar alguns.
A
lógica da posição de Putin deve fazer todo o sentido para os norte-americanos,
que há muito tempo estão comprometidos com a Doutrina Monroe, que estipula que
nenhuma grande potência distante tem permissão para formar uma aliança com um
país do Hemisfério Ocidental e localizar suas forças militares lá. Os Estados
Unidos interpretariam uma ação desse tipo como uma ameaça existencial e se
esforçariam ao máximo para eliminar o perigo. É claro que foi isso que
aconteceu durante a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962, quando o Presidente
Kennedy deixou claro para os soviéticos que seus mísseis nucleares teriam de
ser retirados de Cuba. Putin é profundamente influenciado pela mesma lógica.
Afinal, as grandes potências não querem que grandes potências distantes entrem
em seu quintal.
TERCEIRO,
a centralidade do profundo medo da Rússia de que a Ucrânia entre para a OTAN é
ilustrada por dois acontecimentos que ocorreram desde o início da guerra.
Durante
as negociações de Istambul, que ocorreram imediatamente após o início da
invasão, os russos deixaram claro que a Ucrânia deveria aceitar a “neutralidade
permanente” e não poderia entrar para a OTAN. Os ucranianos aceitaram a
exigência da Rússia sem nenhuma resistência séria, certamente porque sabiam
que, de outra forma, seria impossível acabar com a guerra. Mais recentemente,
em 14 de junho de 2024, Putin apresentou duas exigências que a Ucrânia teria de
cumprir antes de concordar com um cessar-fogo e com o início das negociações
para encerrar a guerra. Uma dessas exigências era que Kiev declarasse “oficialmente”
“que abandona seus planos de ingressar na OTAN”.
Nada
disso é surpreendente, pois a Rússia sempre viu a Ucrânia na OTAN como uma
ameaça existencial que deve ser evitada a todo custo. Essa lógica é a força
motriz por trás da guerra na Ucrânia.
Por
fim, é óbvio, com base na posição de negociação da Rússia em Istambul e nos
comentários de Putin sobre o fim da guerra em seu discurso de 14 de junho de
2024, que ele não está interessado em conquistar toda a Ucrânia e torná-la
parte de uma Rússia maior.
Tradução
por Davi Ciampa Heras
Revisão
por Mykel Alexander
Fonte: John
Mearsheimer Substack, 05 de agosto de 2024.
https://mearsheimer.substack.com/p/who-caused-the-ukraine-war
Sobre o autor: John Joseph Mearsheimer (1947-) é um cientista político
americano e estudioso de relações internacionais, que pertence à escola de
pensamento realista. Ele é o R. Wendell Harrison Distinguished Service
Professor na Universidade de Chicago (de 1989 a 1992, atuou como presidente do
departamento). Aos 17 anos, Mearsheimer se alistou no Exército dos EUA. Após um
ano como membro alistado, obteve uma nomeação para a Academia Militar dos
Estados Unidos em West Point, que frequentou de 1966 a 1970. Após a formatura,
serviu por cinco anos como oficial da Força Aérea dos Estados Unidos. Em 1974,
enquanto estava na Força Aérea, Mearsheimer obteve um mestrado em relações
internacionais pela University of Southern California. Ele entrou na Universidade
de Cornell e em 1980 obteve um Ph.D. no governo, especificamente nas relações
internacionais. De 1978 a 1979, foi pesquisador da Brookings Institution em
Washington, DC. De 1980 a 1982, foi pós-doutorando no Centro de Assuntos
Internacionais da Universidade de Harvard. Durante o ano acadêmico de
1998-1999, ele foi o Whitney H. Shepardson Fellow no Conselho de Relações
Exteriores em Nova Iorque. Ele também é membro do corpo docente do programa de
pós-graduação do Comitê de Relações Internacionais e é codiretor do Programa de
Política de Segurança Internacional.
É autor de: Conventional Deterrence (1983), Nuclear
Deterrence: Ethics and Strategy (co-editor, 1985); Liddell
Hart and the Weight of History (1988); The Tragedy of Great
Power Politics (2001); The Israel Lobby and U.S. Foreign
Policy (2007); e Why Leaders Lie: The Truth About Lying in
International Politics (2011); The Great Delusion: Liberal
Dreams and International Realities (2018).
Seus
artigos apareceram em revistas acadêmicas como a International Security, Foreign
Affairs e em revistas populares como a London Review of Books.
Ele escreveu artigos de opinião para o The New York Times, o Los
Angeles Times e o Chicago Tribune.
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Relacionado, leia também:
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{Retrospectiva 2023 – guerra na Ucrânia} – Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Na Ucrânia
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Aleksandr Solzhenitsyn, Ucrânia e os Neoconservadores - Por Boyd T. Cathey
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A obsessão de Putin pelo Holocausto - Por Andrew Joyce {academic auctor pseudonym}
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{Retrospectiva 2014} A Revolução Marrom na Ucrânia - Por Israel Shamir
Sobre a difamação da Polônia pela judaísmo internacional ver:
Sobre a influência do judaico bolchevismo (comunismo-marxista) na Rússia ver:
Revisitando os Pogroms {alegados massacres de judeus} Russos do Século XIX, Parte 1: A Questão Judaica da Rússia - Por Andrew Joyce {academic auctor pseudonym}. Parte 1 de 3, as demais na sequência do próprio artigo.
Os destruidores - Comunismo {judaico-bolchevismo} e seus frutos - por Winston Churchill
Líderes do bolchevismo {comunismo marxista} - Por Rolf Kosiek
Wall Street & a Revolução Russa de março de 1917 – por Kerry Bolton
Wall Street e a Revolução Bolchevique de Novembro de 1917 – por Kerry Bolton
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{Retrospectiva Ucrânia - 2014} Nacionalistas, Judeus e a Crise Ucraniana: Algumas Perspectivas Históricas - Por Andrew Joyce, PhD {academic auctor pseudonym}
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