Christopher Mackie |
O
coronavírus está concentrando nossas mentes na fragilidade da existência humana
em face de uma doença mortal. Palavras como “epidemia” e “pandemia” (e
‘pânico’!) têm se tornado parte do nosso discurso diário.
Estas
palavras são gregas em origem e apontam para o fato de os gregos da antiguidade
pensaram muito sobre doença, quer no seu sentido puramente médico, quer como
metáfora para a condução mais ampla dos assuntos humanos. O que os gregos
chamavam de “praga” (loimos) aparece
em algumas passagens memoráveis da literatura grega.
Uma
de taus descrições situa-se logo no início da literatura ocidental. A Ilíada de Homero[1] (cerca de 700 a. C.)
começa com uma descrição de uma praga que atinge o exército grego em Troia.
Agamenon, o príncipe líder do exército grego, insulta um sacerdote local de
Apolo chamado Crises.
Apolo
é o deus da praga – um destruidor e curandeiro – e castiga todos os gregos
enviando uma pestilência entre eles. Apolo é também o deus arqueiro, e ele é representado
atirando flechas no exército grego com um efeito terrível:
Baixou do alto do Olimpo, coração colérico, levando aos ombros o arco e a aljava bem fechada.
À espádua do Iracundo retiniam as flechas, enquanto o deus movia-se, ícone da noite.
Sentou longe das naus: então dispara a flecha.
Honoríssimo clangor irrompe do arco argênteo.
Fere os mulos; depois, rápida prata, os cães; então mira nos homens, setas pontiagudas lançando: e ardem sem pausa densas piras fúnebres.[2]
Narrativas
de pragas
Cerca
de 270 anos após a Ilíada, ou a partir de então, a praga é o ponto central de
duas grandes obras clássicas de atenienses – Édipo rei, de Sófocles[3], e o Livro 2 da História da Guerra do Peloponeso, de
Tucídides[4].
Tucídides
escreve prosa, não verso (como Homero e Sófocles fazem), e ele trabalhou no
campo relativamente novo da “história” (que significa “inquérito” ou “pesquisa”
em grego). Seu foco era a guerra do Peloponeso travada entre Atenas e Esparta e
seus respectivos aliados, entre 431 e 404 a.C.
A
descrição de Tucídides da praga que atingiu Atenas em 430 a.C. é uma das
grandes passagens da literatura grega. Uma das coisas notáveis sobre o assunto
é como ele se concentra na resposta social geral à pestilência, tanto dos que
morreram quanto dos que sobreviveram.
Pintura representando uma praga antiga, de Peter van Halen. |
Uma
crise de saúde
A
descrição da praga segue imediatamente sobre o relato renomado de Tucídides da
Oração Funeral de Péricles (é importante dizer que Péricles morreu da praga em
429 a.C., enquanto Tucídides a pegou, mas sobreviveu).
Tucídides
faz um relato geral dos estágios iniciais da praga – com origens prováveis no
norte da África, sua propagação nas regiões mais amplas de Atenas, as lutas dos
médicos para lidar com isso e a alta taxa de mortalidade dos próprios médicos.
Nada
parecia melhorar a crise – nem conhecimento médico ou outras superadas por seus
sofrimentos que não deram mais atenção a tais coisas”.
Ele
descreve os sintomas em alguns detalhes – a sensação de queimação de pessoas
que sofrem, dores de estômago e vômitos, o desejo de ficar totalmente nu, sem
nenhum linho sobre o próprio corpo, a insônia e a inquietação.
O
estágio seguinte, após sete ou oito dias, se as pessoas sobreviverem por tanto
tempo, via a pestilência descer para os intestinos e outras partes do corpo –
órgãos genitais, dedos das mãos e pés. Algumas pessoas até ficaram cegas.
O caráter da doença desafia qualquer descrição, sendo a violência do ataque, em geral, grande demais para ser suportada pela natureza humana;[5]
Aqueles
com constituições fortes não sobreviveram melhor que os fracos.
Mas o aspecto mais terrível da doença era a apatia das pessoas atingidas por ela, pois seu espírito se rendia imediatamente ao desespero e elas se consideravam perdidas, incapazes de reagir. [6]
Por
fim, Tucídides se concentra no colapso dos valores tradicionais, onde a
autoindulgência substituía a honra, onde não existia medo de Deus ou do homem.
ninguém esperava estar vivo para ser chamado a prestar contas e responder por seus atos; ao contrário, todos acreditavam que o castigo já decretado contra cada um deles e pendente sobre suas cabeças, era pesado demais, e que seria justo, portanto, gozar os prazeres da vida antes de sua consumação.[7]
Toda
a descrição da praga no Livro 2 dura somente cerca de cinco páginas, embora
pareça mais longa.
O
primeiro surto de praga durou dois anos, após o que ocorreu uma segunda vez,
embora com menos virulência. Quando Tucídides capta muito brevemente o fio da
praga um pouco depois (3,87), ele fornece um número de mortos: 4.400 hoplitas
(cidadãos-soldados), 300 cavaleiros e um número desconhecido de pessoas comuns.
Os atenienses foram mais castigados por ela que por qualquer outra calamidade, e sofreram um golpe sumamente nocivo ao seu poder de luta.[8]
Uma
lente moderna
Os
estudiosos modernos discutem[9] sobre a ciência de tudo
isso, principalmente porque Tucídides oferece uma quantidade generosa de
detalhes dos sintomas.
O
Tifo epidêmico e varíola são os mais favorecidos, mas cerca de 30 doenças
diferentes foram postas[10].
Tucídides
nos oferece uma narrativa de uma pestilência que é diferente em todos os tipos
de formas do que enfrentamos.
As
lições que aprendemos da crise do coronavírus virão de nossas próprias
experiências, e não da leitura de Tucídides. Mas estes não são mutuamente
exclusivos. Tucídides nos oferece uma descrição de uma cidade-estado em crise
que é tão comovente e poderosa agora, como era em 430 a.C.
Tradução
de Leonardo Campos (via Sentinela)
Revisão
e edição de Mykel Alexander
Notas
[1] Fonte utilizada pelo autor: Homer,
The Iliad, tradução de Samuel Butler.
[2] Nota de Mykel Alexander: Homero, Ilíada, editora ARX, 5ª edição, São
Paulo, tradução de Haroldo de Campos. Livro 1, 44-52.
[3] Fonte utilizada pelo autor: Plays of Sophocles: Oedipus the King;
Oedipus at Colonus; Antigone by Sophocles.
[4] Fonte utilizada pelo autor: The History of the Peloponnesian War by
Thucydides.
[5] Nota de Mykel Alexander:
Tucídides, História da Guerra do
Peloponeso, UNB, Brasília, 1982, Tradução de Mário da Gama Cury. Livro II,
50.
[6] Nota de Mykel Alexander:
Tucídides, História da Guerra do
Peloponeso, UNB, Brasília, 1982, Tradução de Mário da Gama Cury. Livro II,
51.
[7] Nota de Mykel Alexander:
Tucídides, História da Guerra do
Peloponeso, UNB, Brasília, 1982, Tradução de Mário da Gama Cury. Livro II,
53.
[8] Nota de Mykel Alexander:
Tucídides, História da Guerra do
Peloponeso, UNB, Brasília, 1982, Tradução de Mário da Gama Cury. Livro III,
87.
[9] Fonte utilizada pelo autor: The
Plague at Athens, 430-427 BCE, por John Horgan, 24 de agosto de 2016, Ancient History Encyclopedia.
[10] Fonte utilizada pelo autor: J.R. Sallares, The Ecology of the Ancient Greek World Hardcover, Gerald Duckworth
& Co Ltd, 1991.
Fonte: O que a peste de
Atenas nos pode ensinar sobre o Coronavírus hoje? – por Chris Mackie, 22 de
abril de 2020, O Sentinela – mídia crítica
independente.
Originalmente publicado como Thucydides and the plague
of Athens - what it can teach us now, Chris Mackie, 19 de março de 2020, The Conversation.
Sobre o autor: Christopher
Mackie, original de Melbourne, Australia, é Professor de Clássicos,
Universidade La Trobe. Estudou na Universidade de Newcastle, N.S.W e na
Universidade de Glasgow. Trabalhou na Universidade da Nova Inglaterra, na
Universidade de Melbourne. Atualmente é Professor de Estudos Gregos e Diretor
da Escola de Ciências Humanas da Universidade La Trobe.
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Biopolítica, racialismo, e nacionalismo na Grécia Antiga: Uma visão sumária - Por Guillaume Durocher (pseudônimo)
O mundo dos indo-europeus - Por Alain de Benoist
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