segunda-feira, 30 de julho de 2018

O mundo dos indo-europeus - Por Alain de Benoist


Com uma tradução para o inglês (feita por Robert Lindgren) em 2017 publicada pela editora Arktos, a obra de Alain de Benoist, Vu de Droite: Anthologie critique des idées contemporaines, de 1977 ainda é atual, e em boa hora é saudada para revigorar os estudos mais profundos que são tão necessários para combater a desinformação procedente dos eufemismos, distorções e falácias da globalização. Abaixo segue o artigo “O mundo dos indo-europeus” procedente da tradução vertida ao português em 1981.

Alain de Benoist
O mundo dos indo-europeus


Perto de 450 milhões de representantes da espécie Homo sapiens vivem atualmente na Europa. Herdeiros da mesma cultura, eles têm uma origem comum. Os seus ancestrais chamam-se indo-europeus.

            O termo “indo-europeu” é um termo linguístico. Emprega-se desde o sec. XIX, época em que foram publicados os trabalhos de Frans Bopp, de Alexander Von Hunboldt e de Jakob Grimm, sobre o estudo comparado dos sistemas de linguagem das principais falas europeias (com exceção do húngaro, do finlandês, do basco e do lapão). A partir de uma correlação de forma, este método comparativo deduz (por meio de uma operação de equivalência análoga de cálculos de proporção aritmética) um parentesco demonstrando a necessidade lógica de uma origem comum. Por outras palavras, este método permite encontrar a “incógnita” que constitui, em relação as “línguas-filhas” europeias atuais, uma “língua-mãe” desaparecida: o indo-europeu comum. Descoberta capital, que restituiu o mais longínquo passado ao coração do presente imediato.

            Graças ao esforço dos filólogos, foi possível estabelecer, sucessivamente, a gramática, a sintaxe e o léxico do indo-europeu comum. Por convenção, distinguem-se três estágios sucessivos nesta língua: o proto-indo-europeu, o indo-europeu médio (fase que precede as primeiras dispersões) e o europeu antigo ou indo-europeu tardio, falado, provavelmente, na parte setentrional da Europa central no terceiro milênio a. C.

            Para além de certas falas hoje desaparecidas (ilírio, macedônio, hitita, lowita, tokhariano, trácio-frigiano, etc), a família das línguas derivadas do indo-europeu comum compreende as formas ancestrais das falas indo-arianas (sânscrito, hindu, o antigo persa), assim como o grego, o albanês e a totalidade das línguas eslavas, bálticas, célticas, germânicas e românicas. 

            Os investigadores preocupam-se, desde logo, em saber qual a origem dos povos que utilizaram estas linguagens nos finais da pré-história.

            “Aventou-se então a hipótese”, escreve P. Bosch-Gimpera, “da existência de um povo primitivo (o Urvolk da escola alemã), cuja pátria (Urheimt) se situaria provavelmente na Ásia, falando uma língua originaria (Ursprache), fonte dos dialetos de que derivaram as línguas indo-europeias históricas (Les Indo-Europeens, Payot, 1971).


Duas teses sobre o local de origem

            Inúmeras polêmicas, de onde os pre-juízos políticos nem sempre estiveram ausentes, se levantaram quanto ao local desta terra de origem.

            A linguística, felizmente, dá-nos indicações precisas. “O indo-europeu comum”, observa Nicolas Lahovary, “compreende termos designados a fauna, a flora e o clima das regiões temperadas, mais úmidas do que secas, e mais frias do que quentes (Les Peuples Europeens, La Baconniere, Nauchatel, 1946). No livro que consagrou a antropologia da Europa, Jonh Geibel acrescenta: “Numerosas línguas indo-europeias utilizam palavras visinhas para designar animais: urso, lobo, castor, esquilo; para árvores: bétula, faia, salgueiro; ou ainda para mel, abelha, neve, inverno, vidro, frio. Isto sugere-nos fortemente que os dialetos indo-europeus foram, antes da sua dispersão, falados por indivíduos que habitavam uma região temperada, arborizada e continental”

            A ideia de uma origem “asiática” dos indo-europeus, avançada em 1888 por Max Müller, depois por H. d’Arbois de Jubainville, C. F. Keary e William Ripley, não sendo já defendida por ninguém, deixa lugar a duas teses apenas.

            A tese nórdica ou germânica baseou-se, em primeiro lugar, nos caracteres físicos atribuídos às populações indo-europeias pelos textos antigos. Estes caracteres (cabelos loiros, olhos azuis ou claros, estatura elevada, estreiteza das ancas, lábios finos, proeminência do queixo, dolicocefalia) são específicas das sub-raças nórdicas e fálica, formadas a partir de um substrato do Homem de Cro-Magnon no território compreendendo as margens do mar do Norte e do Báltico, assim como a sua hinterland[1]. Em 1878 Theodor Poesche situa a Urheimat na atual Lituânia. Acrescentando aos argumentos antropológicos os argumentos linguísticos e arquitetônicos, Karl Penka (Die Herkunft der Arier, 1886) alarga esta localização até a Alemanha do norte e à Escandinávia meridional. É seguido por Isaac Taylor (1888) e Herman Hirt (Die Urheimat des Indogermanen, 1892). Em 1902, Gustaf Kossinna, fundador da revista Mennus propõe um local primitivo situado na Germânia central. A mesma tese nórdico-germânica será retomada, em seguida, por Harold Bender, Hans Seger, Schachermeyer, Gustav Neckel, Ernst Meyer, Julius Pokorny, Stuart Mann, etc. Ela foi renovada recentemente por Nicolas Lahovary (1946), Paul Thieme (Die Heimat der Indogermanischen Gemeinsprache, 1953) e Ram Chandra Jain (The Most Ancient Arya Society, 1964).

            A segunda tese é a de uma Unheimat situada na Europa central ou na Rússia meridional. Otto Schrader sustentou-a pela primeira vez em 1890, seguido por V. Gordon Childe (The Aryans, 1926), Georges Poisson (Les Aryens, 1934) Walter Schulz (1935), R. A. Crossland (1957), etc. Em 1961, P. Bosch-Gimpera escreve: “A agregação que provocará a formação dos povos indo-europeus manifesta-se em meados do neolítico[2], provavelmente no quinto milênio. Este papel poderá vir a ser desempenhado pelos grupos étnicos do centro da Europa”. Em 1962, Giacomo Devoto (Origini Indeuropee) chega as mesmas conclusões.

            A ideia de um local primitivo na Rússia meridional, foi particularmente defendida pela arqueóloga Marija Gimbutas, cujos principais trabalhos apareceram a partir de 1956. Segundo ela, a cultura dos Kurgos, cujos portadores, vindos pelo vale do Danúbio, puseram fim cerca de - 4000 à civilização balcânica da velha Europa (que se tinha desenvolvido a partir de -7000, independentemente das culturas do nordeste europeu como das da Arábia e da Mesopotâmia, desde a Sicília às costas do Adriático, as bacias do Don, do Dniest e do Niepr ate as ilhas do mar Egeu), era de natureza indo-europeia e os seus representantes devem ser considerados como os primeiros indo-europeus.

            As duas teses não são, aliás, inconciliáveis. Um autor como Ward Goodenough (Evolution of Pastoralism and Indo-European Origins, in G. Cardona, H. M. Hoenigswald e A. Seen, ed. Indo-European and Indo-Europeans, University of Pensylvania Press, Filadélfia, 1970) propôs que se visse, nos povos kurgos, uma simples extensão pastoral de uma cultura indo-europeia que se teria desenvolvido primeiro na Europa do norte. É uma parte destes povos que, após ter destruído a velha civilização europeia, teria descido para o sul difundindo, na sua passagem as técnicas da metalurgia do bronze, tendo dado origem aos Louvitas, aos Hititas históricos e aos gregos micênicos. A outra parte, misturando-se aos elementos desta cultura que restaram na Europa central, teria fornecido os contingentes de uma diáspora posterior. Esta teoria, aparentemente muito convincente, e conciliável com a de Hans Krahe, que distingue, no plano linguístico, o velho europeu (alteuropasch – não confundir com os Antigos Europeus de que fala Marija Gimbutas) e o indo-europeu (indogermanisch) propriamente dito. Ela é citada favoravelmente por James P. Mallory, autor de um dos estudos mais recentes sobre a questão (A Short History of the Indo-European Problem, in Journal of Indo-European Studies, vol. I, 1973, n. 1, Hattiesburg, Miss). O local primitivo poderia, então, estar situado em uma zona circunscrita entre o Elba e o Vístula, estendendo-se a norte até à Jutlandia e a sul ate à região montanhosa que termina com os Cárpatos.


Estruturas sociais

            “Historicamente comprovados” aí pelo segundo milênio a. C., os indo-europeus tinham já uma longa historia atrás de si. “ A arqueologia fá-los remontar até ao princípio do neolítico”, precisa P. Bosch-Gimpera, “situando-se as raízes de tais formações étnicas no mesolítico[3]”. Um autor como o búlgaro Georgiev fala mesmo do fim do paleolítico[4].

            “Por alturas do oitavo milênio antes de Cristo”, lembra M. Geipel, “os glaciares escandinavos retiraram-se definitivamente para norte. As ilhas britânicas separam-se do continente. O Báltico junta-se ao mar do Norte. A tundra cobre-se de florestas espessas. A Europa goza, então, de um clima temperado”

            A partir do segundo neolítico[5], os grupos indo-europeus tornaram-se semi-sedentários. Os homens consagram-se à criação de animais, as mulheres e os mais jovens praticam uma agricultura rudimentar. Este novo tipo de economia sucede a um outro modo de vida, a dos grandes caçadores, que se nomadizavam sobre um território bastante extenso, e em que os seus membros estavam reagrupados segundo os períodos de idade a que pertenciam. Do fato citado resulta uma explosão demográfica, que acompanha uma transformação completa da vida social

            É efetivamente nesse momento que os genos, ou grandes famílias de caráter exogâmico – o seu nome vem de eg-, termo indo-europeu “reconstruído”; designando a ideia de “si mesmo”; conferir latim ego –, se começam a ligar entre eles, a fim de preservar as propriedades hereditárias em comum e de impedir a dispersão de homens jovens e válidos. Cada genos estabelece, ou reforça ainda, o costume exogâmico e a organização patriarcal que o caracterizam no quadro de uma associação tribal com outros genos, no seio da qual as alianças se concluem com casamentos segundo uma estrutura relativamente rígida, à base de obrigações e de prestações recíprocas. Não abrangendo senão homens livres, “bem-nascidos” (“ingênuo”= ingenos), os genos tornam-se  assim uma “comunidade de sangue”. Como tal, distingue-se da comunidade econômica, o domus que é o conjunto formado pelo genos e pela nova classe dos não-proprietários, escravos ou servos livres. A um nível superior, estabelece-se uma distinção semelhante entre wenos (termo derivado de we -, “nós”; ef. inglês we, alemão wir) ou comunidade por aliança, resultado da associação de três genos, e a comunidade econômica correspondente, o weikos (conferir latim vicus, francês village).

            Posteriormente, estruturas sociais mais complexas (cidades independentes, reinos, etc.) estabelecer-se-ão na mesma base, definindo-se o povo simplesmente por um “nós” mais vasto – como um conjunto de homens e de mulheres ligados uns aos outros por aliança. Do mesmo modo, a noção de ethnos (sw-edh-nos) deriva diretamente da swe, quer dizer, da comunidade de sangue, em que a troca de mulheres no interior do wenos assegura e garante a manutenção.

            Na base, o sistema é fundamentalmente patriarcal. O genos definem-se por uma identificação com o ego paternal, representante de uma linhagem que ascende ao deiwos-pèter, ao “deus-pai”. Enquanto que, em certas sociedades primitivas de tipo agrícola, um assassínio ritual, o “assassínio sagrado do rei” (conferir o assassínio do pai na doutrina de Freud), simboliza a destruição da filiação paternal, e assegura, somente, a validade da descendência matrilinear, nos indo-europeus a “parte do pai” é assegurada por um rito derivado da “incubação”.  O pai “engendra” simbolicamente, tomando-o entre os seus joelhos: simulacro do ato de dar à luz. No vocabulário do indo-europeu comum, diz-se da mãe que ela “põe no mundo”. O que explica que palavras tão diferentes como genos, genou (joelho), engendrar, etc., sejam todas derivadas da mesma raiz gen-.


Soberano eleito

            Logo que as circunstancias levem os genos a dotarem-se de uma autoridade geral, é necessariamente sobre um dos pèteres, um dos chefes de genos, que a escolha recai. “O rei tem com os seus súbditos a mesma ligação que um chefe de família com seus filhos” (Aristóteles). O chefe é eleito pelos seus pares nomeadamente quando se trata de designar um reg-s, quer dizer, um rei (latim rex, gaulês rix, sânscrito rajá). É apenas na época histórica que esta delegação do poder de provisória se tornará permanente, realizando, assim, a monarquia hereditária. Na origem, o rei é submetido ao controlo dos pèteres, no seio de uma assembleia análoga à sabha dos indos-arianos, a gerousia grega, ao senatus romano, ao thing germânico, ao althing islandês, etc. Assim, a forma elementar de soberania, entre os indo-europeus, defines-se a si mesma como uma espécie de aristo-democracia, em que o monarca exerce uma função que é, simultaneamente, religiosa e política. Toda a sociedade indo-européia é, portanto, uma sublimação do genos, em que a coesão social se realiza pela projeção desta estrutura original numa super-estrutura religiosa e política – sendo estes dois termos indissociáveis, uma vez que, entre os indo-europeus, a sociedade dos deuses é uma projeção da dos homens, resultando o próprio culto cívico de uma projeção do culto doméstico, colocado sob a responsabilidade do pai.

            Pastores, agricultores e guerreiros, os indo-europeus trabalham na cerâmica e dedicam-se è metalurgia. “Os homens montavam cavalos e selvagens utilizavam os bois como animais de tração”, escreve Geipel. Os rebanhos são símbolos de prosperidade. O termo indo-europeu peku, que se encontra nas falas itálicas, germânicas e indo-iranianas, com o significado primitivo de riqueza pessoal (conferir latim pecúnia, Frances pécule, acabou mesmo por designar o gado: latim pecus, sânscrito pàsu, Frances pécure. Conferir o gótico fahiu, “fortuna”, e o velho-alto-alemão fihu, “gado”.)


A visão do mundo

            Os trabalhos dos indo-europeístas, e particularmente os de George Dumézil, demonstraram a existência – antes mesmo das primeiras dispersões – de uma “ideologia” indo-européia comum, isto é, uma estrutura mental especifica, conformada por uma mesma visão de mundo, manifestando-se por uma mesma visão de  mundo, manifestando-se por uma concepção particular do fato religioso, da sociedade, da soberania, das relações entre homens e os deuses, e por uma teologia, uma liturgia, uma poesia e uma literatura ética comuns. Esta “ideologia”, escreve Dumézil, é “a obra dos pensadores de que são, herdeiros os brâmanes, os druidas e os colégios sacerdotais romanos” (L’Idéologic Tripartie des Indo-Européens, Latomus, Bruxelas, 1958) No campo da poesia, os trabalhos de Antoine Meillet e de Roman Jakobson, depois de Calvert Watkins e de Donald Ward, fizeram aparecer nos domínios grego, védico, eslavo e irlandês analogias estruturais que só se podem explicar por uma herança comum e que deixam presumir a existência, entre as primeiras comunidades indo-européias, de uma corporação de “cantores-poetas” muito semelhantes aos file irlandeses e aos menestréis da velha Escandinávia.

            A propósito de sociedade indo-europeia, Donald Ward (On the Poets and Poetry of the Indo-European, in Journal of Indo-European Stadies, Vol. I, 1973, N.º 2, Hattiesburg, Miss) retomou a frutuosa distinção, introduzida por Magaret Mead (Cooperation and Competition Among Primitive Peoples, New York, 1937) entre as shame cultures ou “culturas da vergonha” e as guilt cultures ou “ culturas da culpa”. Nas shame cultures, a noção fundamental é a da honra; poder encarar-se a si próprio. Esta ética da honra implica uma ligação direta com o meio sócio-cultural; por um ato desprezível, pode-se desonrar o próprio nome e, para além de outras conseqüências, o dos ancestrais e o dos descendentes de sua linhagem. Nas guilt cultures, a falta é objectivada pelo recurso a uma instância superior, que interioriza e individualiza a sanção; dogmas revelados definem uma moral do pecado. Segundo M. Ward, a noção de “desonra”, comum aos gregos, aos latinos, aos irlandeses e aos escandinavos, é tipicamente indo-européia, em oposição a noção de “falta”, característica dos grandes sistemas metafísicos universalistas.        


Caracteres específicos

            Toda  a historia antiga da Europa se articula em redor de duas grandes vagas de migrações indo-europeias:  uma por volta de 2200 – 2000, e a outra de 2500 a. C. Daí procedem as sociedades iranianas e védicas, o Império hitita e os reinos dos planaltos da Anatólia, as civilizações  históricas dos gregos e dos latinos, dos celtas e dos germanos. A oeste, os indo-europeus povoam Gália, a Península Ibérica, a Inglaterra e a Escandinávia. A sul, segundo a cronologia tradicional, a cidade de Roma fundou-se em Abril de 753 a. C. A leste, os povos indo-europeus avançarão até à China onde a sua influencia se fará sentir nos “reinos bárbaros” do norte do país. Segundo Hans Jansen, as palavras chinesas mi, “mel”, chyan, “cão” yen, “ganso”, ma, “cavalo”, seriam, entre outras, de origem indo-europeia.

            Graças a domesticação dos cavalos e ao uso dos metais e dos carros de combate, os povos indo-europeus lançaram-se assim, em vagas sucessivas, à conquista do mundo. (Durante muito tempo, um dos traços característicos do homem bem-nascido será a possessão do cavalo, tal como testemunha a consideração de que goza o equus romano ou gaulês; cf. as palavras francesas cavalier e chevalier, as alemãs reiter e ritter, etc.). “Contudo”, escreve Nicolas Lahovary, “seria necessário considerar, antes de mais, estas conquistas como a resultante de uma grande energia e virtudes militares superiores. Mais uma vez, seria não nas condições materiais mas em certas qualidades psicológicas, na força de caráter dos indivíduos e, por conseguinte, no seu grupo étnico que seria necessário, em primeiro lugar, procurar o segredo do êxito prodigioso dos indo-europeus, a sua conquista de povos inteligentes cuja civilização era bem mais desenvolvida do que a deles”

            Após haver traçado a historia destas migrações, de um modo alias bastante sumário e por vezes confuso, John Gaipel examina a distribuição de alguns caracteres físicos próprios aos antigos Europeus: estatura, cor dos olhos e dos cabelos, índices cefálicos e faciais, etc.

            Certas observações suas comportam prolongamentos inesperados. “É talvez significativo, por exemplo, que as únicas partes da Europa em que a sobreposição vertical das maxilas ainda existe e só recentemente foi suplantada pelo avanço da maxila superior, são justamente as regiões em que as sibilantes dentais (o som “th” inglês) são ainda utilizadas na fonética das linguagens locais.

            O parentesco etnológico dos povos europeus é ainda confirmado pela distribuição especifica dos grupos sanguíneos O (45 a75% dos sujeitos), A (5 a 40 %) e B (4 a 18%).

            John Geipel estuda, igualmente, a fisionomia dos europeus atuais antes de se lançar “na pesquisa das raças da Europa”. Tarefa à qual ele se resigna, com reticências muito pouco cientificas.

            “O homem que outrora chegou a Europa era um mestiço,” lembra-o ele a todo o momento, “e nós, seus descendentes, não somos outra coisa”. Mas todo o individuo é um “mestiço” na medida em que resulta de um certo numero de cruzamentos, a começar pelo dos pais. E Geipel sobrestima a ingenuidade do publico se acha que o confunde revelando-lhe o fato de as características raciais serem sempre relativas.

            A raça é uma noção dinâmica, evolutiva, estatística. Define-se pela frequência média de um certo numero de genes que determinam, para uma dada população, caracteres ou predisposições físicas, patológicas e psicológicas. Propor, como o professor Livington, substituir este termo pelo de “linha de frequência”, é jogar com as palavras – pois é precisamente na combinação das “linhas de frequência” que os antropólogos vêem a definição racial dos grandes ramos da humanidade.

            Georges Montandon foi o primeiro, em 1933, a substituir a ideia de “homogeneidade racial” à de “raça pura”, expressão equívoca, sem valor cientifico – e, logo tanto mais fácil de refutar. Caracterizando-se a evolução por uma diferenciação cada vez maior, observava ele aliás (La Race, les Taces, Payot), há toda a probabilidade de supor que “o indiferenciado de origem é um primitivo.”

            Geipel afirma também que a língua e a etnia “não exercem absolutamente nenhuma influencia uma sobre a outra”. É bem certo que os negros da America falam inglês. Mas a reaparição da morfologia própria das línguas africanas (aglutinantes) nas falas das Antilhas ou no Black English (a língua dos ghettos dos Estados Unidos) não é menos reveladora disso.

            Não se pode também esquecer que, de uma época para a outra, o contexto varia. O acontecimento que foi a “revolução neolítica” provocou a junção de grupos humanos que tinham ficados isolados outrora, durante todo o período de formação das raças. “Este isolamento, condicionado a diferenciação racial”, escreve Giorgio Locchi, “agravou-se com um isolamento linguístico ao qual correspondia uma extrema diferenciação da língua. Por este fato, não é arriscado afirmar que no fim desta época da humanidade, a cada grupo racial correspondia uma língua especifica” (“linguistique et Sciences Humaines”, in Nouvelle École, Abril-Maio de 1968).~


Algumas Obras

            Exceto as obras capitais de Georges Dumézil (“Mythe et Epopée”, Gallimard) e de Émile Benveniste (Vocabulaire des Instituitions Indo-Européenes, Minuit), encontram-se, em França, apenas algumas obras de aparição recente, consagradas aos princípios (ignorados) da civilização indo-europeia, tais como as de T. Bosch-Gimpera (Les Indo-Européens, Payot, 1962), Sigfrid de Laet ( La Pre-histoire de Europe, Meddens, 1965), Guido A. Mansuelli ( Les Civilisations de Europe Ancienne, Arthaud, 1967) e Jacques-Pierre Millote (Précis de Protohistoires Européenne, A. Collin, 1970) . Alguns destes títulos revelam-se ainda bastante ilusórios, enquanto que a maior parte dos trabalhos dos grandes indo- europeistas contemporâneos continuam à espera de ser traduzidos. A própria universidade desinteressa-se completamente do assunto: nenhum curso sobre as origens da nossa  civilização figura nos programas dos liceus e das faculdades.

            Apesar dos seus defeitos (alguns) a obra de Gaipel chega, pois, na hora certa. Pois que, contrariamente ao que afirma o seu autor a “caça aos antepassados” não é nem estéril nem irrisória. Muito pelo contrário: o passado mais longínquo inspira o futuro mais poderoso.

L Anthropologie de Europe”, ensaio de Jonh Geipel, Laffont, 356 páginas.

Desde a publicação do livro de John Geipel, os únicos grandes trabalhos publicados em França sobre os indo-europeus foram os de Georges Dumézil, particularmente “Idées Romaines” (Gallimard, 1969), “Fêtes Romaines d’Êté et d Automne” (Gallimard, 1965), assim como os vols. II e III de “ Mythes et Êpopées” (Gallimard), 1971 e 1978). Um numero especial consagrado à obra de Dumézil (com textos de Jean-Claude Rivière, Robert Schilling, Mircea Eliade, Georges Charachidzé, etc.) foi igualmente publicado pela revista “Nouvelle Êcole” (N.º 21-22, inverno de 1972-1973).

Nos países de língua inglesa ou alemã, assim como nos países de leste, os estudos indo-europeus estão nitidamente mais desenvolvidos. Nos Estados Unidos, uma importante revista trimestral, “The  Journal  of Indo-European Studies” (Sala 108, 1785 Massachussets Avenue N.W., Washington, D.C. 20036), aparece a partir de 1973 sob a direção do Dr. Roger Pearson.         



Notas


[1] Nota por Mykel Alexander: Hinterland em inglês ou hinterlândia em português é: 1) o conjunto das terras situadas no interior; 2) região afastada das áreas urbanas, ou, simplesmente dos centros metropolitanos ou culturais mais importantes (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, 1ª Edição, vocábulo hinterlândia.)

[2] Nota por Mykel Alexander: “Período da Préhistória que segue ao Paleolítico (depois do período de transição chamado Epipaleolítico ou Mesolítico) e que antecede à Idade dos Metais, na que o homem adotou transformações socioeconômicas relacionadas com a produção de alimentos (agricultura, pecuária e pastoreio), com a tecnologia, com o comércio e intercâmbio, com a ideologia, etc. (La Prehistoiria y Su Metodologia Manual, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S.A. Madrid, 2010, primeira edição, vocábulo Neolítico, página 236).
Situa-se o neolítico na linha do tempo, dependendo da região, entre 12,500 à 5,500 a.C. (The Oxford Handbook of Archaeology, Oxford, New York, 2009).

[3] Nota por Mykel Alexander: “Período cultural e industrial que representa às sociedades que viveram entre o final do Paleolítico superior e o começo do Neolítico, associado a culturas de caçadores complexos, com economias de amplo espectro e com signos sociais e ideológicos muito avançados (por exemplo, primeiras necrópoles). (La Prehistoiria y Su Metodologia Manual, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S.A. Madrid, 2010, primeira edição, vocábulo Mesolítico, página 234). 

[4] Nota por Mykel Alexander: “Termo criado por J. Lubbock em 1865 para designar o período de tempo mais dilatado do homem na Terra, que etimologicamente significa Pedra antiga e que deriva do termo Idade da Pedra talhada, associada a sociedade de caçadores e coletores e em particular às mais remotas origens da Humanidade. Se divide em três grandes períodos: Paleolítico inferior, Paleolítico médio e Paleolítico inferior (La Prehistoiria y Su Metodologia Manual, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S.A. Madrid, 2010, primeira edição, vocábulo Paleolítico, página 238).
As origens do paleolítico na linha do tempo nos últimos 100 anos iniciaram com a estimativa de 1 milhão de anos, e nas últimas duas décadas recuaram até aproximadamente 2,6 milhões de anos, estando atualmente em 3,3 milhões de anos (Nature, volume 521, páginas 310–315 - 21 de maio de 2015). Link: https://www.nature.com/articles/nature14464

[5] Nota por Mykel Alexander: O Segundo Neolítico refere-se à chamada Revolução Neolítica quando houve a transição das sociedades de coletores para a sociedade agricultora. Na Europa esta fase ocorreu entre aproximadamente 7000 a.C. e aproximadamente 2000 a.C. de acordo com a região.



Fonte: Nova Direita Nova Cultura – Antologia crítica das ideias contemporâneas; Editora Afrodite, 1981, Lisboa – Portugal.

  
Sobre o autor: Alain de Benoist (1943 – ) é um acadêmico e jornalista francês formado em Direito (Universidade de Paris, especializado em Direito Constitucional) e Filosofia (Universidade de Sorbonne, especializado em Sociologia e História das Religiões). De vasta obra literária, escreveu mais de 60 livros assim como ultrapassou a marca de 4500 artigos escritos, 50 teses universitárias, e 140 reportagens, e na atualidade é uma das mais respeitadas autoridades sobre a cultura ocidental. Por quatro anos foi editor da revista semanal L'Observateur europée, depois foi editor da L'Echo de la presse et de la publicité's, em 1969 assumiu o cargo de editor da Nouvelle Ecole, cargo que ocupa até hoje, e desde 1988 tem sido editor da revista Krisis.

Dentre seus livros foram traduzidos para português:

Nova Direita Nova Cultura – Antologia crítica das ideias contemporâneas; Editora Afrodite, 1981, Lisboa – Portugal.

Comunismo e nazismo – 25 reflexões sobre o totalitarismo no século XX (1917 – 1989), Editora Hugin, 1989, Lisboa – Portugal.

Odinismo e Cristianismo no Terceiro Reich – a Suástica contra a Irminsul – Editora Antagonista, 2009, Portugal; capítulo A fábula de um “paganismo nazi”.

Para Além dos Direitos Humanos – defender as liberdades – Editora Austral, Porto Alegre, 2013.

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quarta-feira, 18 de julho de 2018

Odiar a Rússia é um emprego de tempo integral Neoconservadores ressuscitam memórias tribais para atiçar as chamas - Por Philip Girald


05/06/2018

Tendo acabado de retornar de uma viagem para a Rússia, tenho o prazer de reportar que o povo russo e a burocracia que eu encontrei não demonstraram nenhuma das mordacidades frente aos americanos que eu esperava como uma resposta ao vilipêndio de Moscou e todos estes trabalhos que permeiam a mídia e sistema dos EUA. Para ser certo, muitos russos com quem conversei foram rápidos em criticar a administração Trump por sua performance quente e fria face a face as ligações bilaterais como Moscou enquanto também expressando mistificação sobre o porquê o relacionamento tinha ido mal tão rapidamente, mas esta raiva sobre a política externa não necessariamente traduziu-se em desprezo para o povo americano e o estilo de vida que caracterizou o período soviético. Ao menos não ainda.
  
            De certa forma para minha surpresa, os russos ordinários foram também rápidos em criticar abertamente o presidente Vladmir Putin por suas tendências autocratas e sua disposição para continuar tolerar corrupção, mas todos que eu conversei também concederam que ele tinha geralmente atuado construtivamente e tinha melhorado grandemente a vida do povo ordinário. Putin permanece muito amplamente popular.

            Uma questão que surgiu com frequência foi “Quem está conduzindo a hostilidade frente à Rússia?” Eu respondi que a resposta não é tão simples e existe um número de grupos que, por uma razão ou outra, necessita um poderoso inimigo para justificar suas políticas que iriam, caso contrário, ser insustentável. Colaboradores de defesa  necessitam um inimigo para justificar a existência deles enquanto congressistas necessitam de colaboradores para financiar suas campanhas. A mídia necessita de uma boa história de temor para ajudar vender ela mesma e o público também está acostumado a ter um mundo no qual terríveis ameaças espreitam logo abaixo do horizonte, aumentando assim apoio para o controle governamental da vida cotidiana para manter todos “seguros.”

            E então existem os neoconservadores. Como sempre, eles são uma distinta força para destruição criativa, conforme eles colocam, certamente em primeiro lugar com suas mãos para obter financiamento de suas fundações e think tanks {grupos de formadores de opinião compostos por alegados especialistas} que não poupam custos, mas também dirigem ideologicamente, o que tem feito eles a vanguarda intelectual do partido da guerra. Eles fornecem a palatável estrutura para a América tomar o mundo, metaforicamente falando, e constituem a força de ataque que está sempre pronta para aparecer nos programas de entrevistas na televisão ou serem citados na mídia com uma inteligente sonoridade apropriada que pode ser usada para justificar o impensável. Em troca, eles são ricamente recompensados com dinheiro e status.

            Os neoconservadores acreditam somente em duas coisas. Primeiro, que os Estados Unidos é a única superpotência do mundo, dada a licença por alguma coisa como uma Entidade Divina para exercer a liderança global se necessário. Isto tem sido traduzido para o público como “excepcionalismo americano.” De fato, o intervencionismo americano na prática tem sido por força maior, preferencialmente, conforme ele deixa pouco espaço para debate ou discussão. E o segundo princípio guia neocon é que todas coisas possíveis devem ser feitas para proteger e promover Israel. Na ausência destas duas crenças, você não tem um neocon.

            Os pais fundadores do movimento neocon eram judeus “intelectuais” de Nova Iorque que evoluíram (ou recaíram) de serem trotskistas lançadores de bombas para “conservadores,” um processo que eles próprios definiram como “idealismo sendo assaltado pela realidade.” A única realidade é que eles têm sempre sido falsos conservadores, abraçando um número de agressivas políticas externas e posições de segurança nacional enquanto também privadamente endossam a linha liberal judaica sobe questões sociais. O fanatismo neocon sobre as questões que eles promovem também sugerem que mais que um pouco do trotskismo permanece no caráter deles, daí a tenacidade deles e a habilidade para deslizar entre os partidos Democrata e Republicano enquanto também aparecem confortavelmente em disparatados meios midiáticos considerados ser ou liberais ou conservadores, ou seja, tanto nos programas Fox News e MSNBC, apresentando os gostos de Rachel Maddow.

            Eu tenho há muito tempo acreditado que o ódio central da Rússia vem dos neoconservadores e é baseada em grande parte à uma extensão tribal ou, se você preferir, étnico-religiosa. Por que? Por causa que se os neoconservadores eram realmente realistas na política externa existiria nenhuma boa razão para expressar qualquer desgosto visceral da Rússia ou de seu governo. As alegações que Moscou interferiu na eleição presidencial de 2016 nos EUA são claramente uma farsa[1], assim como são as histórias do alegado envenenamento dos Skripals[2] em Winschester, Inglaterra e, mais recentemente, o alegado assassinato do jornalista Arkady Babchenko[3] em Kiev o qual mostrou-se ser uma bandeira falsa. Mesmo o mais superficial exame dos desenvolvimentos da década passada na Geórgia e Ucrânia revelam que a Rússia estava reagindo a legítimas ameaças de segurança maior engendradas pelos Estados Unidos com uma pequena ajuda de Israel e outros. A Rússia não tem desde o terminada a guerra fria ameaçado os Estados Unidos e sua habilidade para readquirir seus anteriores satélites da Europa Oriental é uma fantasia. Então por que o ódio?

            Na verdade, os neoconservadores se davam muito bem com a Rússia quando eles e seus oligarcas e ladrões de commodities internacionais com seus amigos financeiros esmagadoramente judeus estavam saqueando os recursos da antiga União Soviética sob o infeliz Boris Yeltsin durante os anos 1990. Os alarmes sobre a suposta ameaça russa somente ressurgiram na mídia dominada de neoconservadores e think tanks quando o velho nacionalista Vladmir Putin assumiu o cargo e fez do principal objetivo[4] de seu governo desligar a torneira de dinheiro.

            Com os saques interrompidos por Putin, os neoconservadores e amigos não mais tinham qualquer razão para atuarem simpaticamente, então eles usaram seus consideráveis recursos na mídia e dentro das salas de poder em lugares como Washington, Londres e Paris para destacar Moscou. E eles também tem percebido que existia uma ameaça pior aparecendo. O governo de Putin apareceu para ressuscitar o que os neoconservadores podiam perceber como um pogrom que empesteava a Sagrada Rússia! Antigas igrejas arrasadas pelos bolcheviques estavam sendo reconstruídas e as pessoas estavam indo à missa e reivindicando a crença em Jesus Cristo. A antiga Praça Vermelha agora hospeda um mercado de natal enquanto o túmulo de Lenin, nas proximidades, é aberto somente numa manhã na semana e atrai poucos visitantes.

            Gostaria de sugerir que é muito possível que os historicamente bem informados neoconservadores estão meramente desejando pelos bons velhos tempos dias bolcheviques na Rússia. O fato é que muitos do ateísmo do estado bolchevique foi dirigido em grande representação excessiva de judeus no partido em seus dias de formação. O meticulosamente bem pesquisado estudo de 1920 do jornalista britânico Robert Wilton[5]The Last Days of the Romanovs” descreve como David R. Francis, embaixador dos Estados Unidos na Rússia, avisou em uma mensagem de 1918 para Washington que “Os líderes bolcheviques aqui, a maioria deles são judeus e 90 por cento dos quais são retornados de exílios, importam-se pouco pela Rússia ou qualquer outro país mas são internacionalistas e eles estão tentando iniciar uma revolução social mundial.”

            O embaixador holandês William Oudendyke[6] ecoou este sentimento, escrevendo que “a não ser que o bolchevismo seja cortado imediatamente, ele está encaminhado a espalhar-se em um forma ou outra sobre a Europa e no mundo inteiro conforme ele é organizado e trabalhado por judeus que não têm nacionalidade, e cujo objetivo é destruir para seus próprios fins a ordem das coisas.”

            O maior escritor da Rússia do século XX, Alexander Solzhenitsyn, homenageado no Ocidente por sua firme resistência ao autoritarismo soviético, subitamente encontrou ele mesmo sem amigos pela mídia e mundo editorial quando ele escreveu “Two Centuries Together: A Russo-Jewish History to 1972”, recontando algo do lado negro da experiência russo-judaica. Em particular Solzhenitsyn citou a significante super-representação dos judeus russos como bolcheviques e, anterior a este período, como proprietários de servos.

            Judeus notadamente desempenharam um papel particularmente desproporcional na polícia secreta soviética, a qual começou como Cheka e, afinal, tornou-se KGB. O historiador judeu Leonard Schapiro observou[7] como “qualquer um que tivesse o infortúnio de cair nas mãos da Cheka tinha um boa chance de encontrar-se ele próprio confrontado com, e possivelmente baleado por, um investigador judaico.” Na Ucrânia, “os judeus compunham aproximadamente oitenta por cento dos agentes da Cheka.”

            À luz de tudo isso, não deveria surpreender ninguém que o novo governo da Rússia de 1918 emitiu um decreto uns poucos meses depois de tomar o poder fazendo do antissemitismo um crime na Rússia. O regime comunista tornou-se o primeiro do mundo a criminalmente punir qualquer sentimento antijudaico.

            Wilton usou documentos do governo russo para identificar a composição do regime bolchevique em 1917-1919. Os 62 membros do Comitê Central incluíam 41 judeus, enquanto os 36 membros da Extraordinária Comissão da Cheka da Cheka de Moscou incluíam 23 judeus. O forte Conselho dos Comissários do Povo com 22 membros, tinha 17 judeus. De acordo os dados fornecidos pelas autoridades soviéticas, dos 556 mais importantes funcionários do estado bolchevique em 1918-1919 havia: 17 russos, 2 ucranianos, 11 armênios, 35 letões, 15 alemães, 1 húngaro, 10 georgianos, três poloneses, três finlandeses, 1 tcheco e 458 judeus.

            Em 1918-1919, o poder governamental efetivo russo permaneceu no Comitê Central do partido bolchevique. Em 1918 este corpo tinha doze membros, dos quais nove eram de origem judaica, e três eram russos. Os nove judeus eram, Trotsky, Zinoviev, Larine, Uritsky, Volodarski, Kamenev, Smirdovich, Yankel, e Steklov. Os três russos eram: Lenin[8], Krylenko, e Lunacharsky.

            A diáspora comunista na Europa e América era também em grande parte judaica, incluindo a cabala de fundadores do neoconservadorismo em Nova Iorque. O Partido Comunista dos Estados Unidos foi predominantemente judeu desde o início. Ele foi na década de 1930 chefiado pelo judeu Earl Breowder, avô do atual vendedor de óleo de serpente Bill Browder, que tem estado proclamando santimonialmente seu desejo para punir Vladmir Putin por vários supostos altos crimes. Browder é um completo hipócrita que tem fabricado e vendido ao congresso uma narrativa relatando a corrupção russa. Ele é também, não surpreendentemente, um queridinho neocon da mídia nos EUA. Tem sido mais que plausivelmente alegado que Browder foi o principal saqueador de recursos da Rússia na década de 1990 e os tribunais russos o têm condenado ele por evasão de impostos entre outros crimes.

            A inegável afinidade histórica dos judeus pelo tipo bolchevique de comunismo casada com a judaicidade dos assim chamados oligarcas, sugere ainda que o ódio de uma Rússia que virou suas costas para estes aspectos particulares da herança judaica pode ser pelo menos parte do que impulsiona alguns neoconservadores. Assim como no caso da Síria a qual os neoconservadores, que se curvam aos interesses de Israel, preferem ver no caos, alguns anseiam por um retorno aos bons e velhos dias de pilhagens pela maior parte de interesses estrangeiros judeus, conforme sob Yeltsin, ou melhor ainda para os dias inebriantes do bolchevismo de 1918-1919 quando judeus governaram toda a Rússia.    

Tradução por Mykel Alexander


Notas

[1] Fonte utilizada pelo autor: “Amid ‘Russiagate’ Hysteria, What Are the Facts? - We must end this Russophobic insanity.”, por Jack F. Matlock Jr., 01/06/2018, The Nation.

[2] Nota do tradutor: Refere-se ao ex-agente duplo espião, que trabalhava para o serviço secreto inglês, e sua filha.

[3] Fonte utilizada pelo autor: “Arkady Babchenko tells media he was taken to morgue for staged 'murder'”, por Luke Harding em Londres e Christopher Miller em Kiev, 31/05/2018 e 01/06/2018, The Guardian.

[4] Fonte utilizada pelo autor: https://www.youtube.com/watch?v=Q2Cl8lSv9Is

[5] Fonte utilizada pelo autor: Robert Wilton, The Last Days of the Romanovs: How Tsar Nicholas II & Russia's Imperial Family Were Murdered.

[6] Fonte utilizada pelo autor: Mark Weber, The Journal of Historical Review, Jan.-Fev. 1994 (Vol. 14, No. 1), paginas 4-22.

[7] Fonte utilizada pelo autor: Mark Weber, The Journal of Historical Review, Jan.-Fev. 1994 (Vol. 14, No. 1), paginas 4-22.

[8] Nota do tradutor: É relevante registrar que Lenin mesmo tem linhagem Judaica por parte de mãe.




Sobre o autor: Philip Giraldi (1946 –) é um ex-agente de contraterrorismo, agente da Cia e da inteligência militar dos EUA. Concluiu seu BA na Universidade de Chicago, com Mestrado e PhD na Universidade de Londres, em História Europeia. Atualmente é colunista, comentador televisivo e Diretor Executivo do Council for the National Interest. Escreveuartigos para as revistas e jornais The American Conservative magazine, The Huffington Post, e Antiwar.com para a rede midiática Hearst Newspaper. Foi entrevistado pelos jornais e revistas Good Morning America, 60 Minutes, MSNBC, Fox News Channel, National Public Radio, a Canadian Broadcasting Corporation, a British Broadcasting Corporation, al-Jazeera, al-Arabiya, Iran Daily, Russia Today, Veterans Today, Press TV. Foi conselheiro de política internacional para a campanha de Ron Paul em 2008.

domingo, 8 de julho de 2018

Politeísmo e Monoteísmo - Por Mykel Alexander


 Mykel Alexander
08/07/2018

Monoteísmo ou politeísmo?

            Talvez uma das mais fundamentais questões da temática religiosa seja o contraste entre monoteísmo, a existência de um deus apenas, e politeísmo, a existência de vários deuses.

            Na verdade, esta questão com uma conotação tão antagônica é mais uma consequência tanto das desinformações que se acumularam com o desenvolvimento das religiões abraâmicas, isto é, judaísmo, cristianismo e islamismo, como também devido à falta de conhecimento do Ocidente em relação as demais tradições da humanidade.
        
Tradição hindu

           A tradição hindu é entre as demais tradições da humanidade que mais tratados abrangem a temática religiosa, como é possível constatar na monumental coleção dirigida por Friedrich Max Müller (1823-1900), Sacred Books of the East, na qual uma significante parte dos 50 volumes procedem da tradição hindu.

            Nos diz Surendranath Dasgupta (em A History of Indian Philosophy, Cambridge University Press, Londres, 1922, volume 1), relevante filósofo e linguista hindu de Cambridge, que:
“A antiga civilização da Índia foi uma unidade concreta de desenvolvimentos multilaterais na arte, arquitetura, literatura, religião, moral, e ciência tanto quanto foi compreendida naqueles dias. Mas a mais importante realização do pensamento hindu foi a filosofia. Ela era vista como o objetivo de todas as mais elevadas atividades teoréticas e práticas e ela indicou o ponto de unidade entre todas aparentes diversidades o qual o complexo crescimento da cultura sobre uma vasta área habitada por diferentes povos produziu.” (página VII)
            Essa concepção sinérgica, ou em linguagem acadêmica, multidisciplinar da tradição hindu, na qual as diversas expressões do saber participam complementando-se umas às outras numa compreensão integral da existência, foi constatada de maneira bem categórica, embora sem que tenha sido a intenção, numa das maiores obras da sociologia, Contemporary Sociological Theories, 1928, do russo Pitirim Sorokin, quando este ao avaliar cada corrente de interpretação do desenvolvimento social, iniciava os respectivos capítulos fazendo uma breve apresentação dos antecedentes de cada corrente, pode-se constatar que as civilizações tradicionais, de modo geral, mais colocavam tais correntes de modo complementar do que antagonista, especialmente a tradição hindu. O pensamento mecanicista (tendia, é verdade, à heterodoxia hindu), escola geográfica, sociologia organicista, antropologia racial e hereditária, luta pela existência (indireta, mas essencialmente presente na metafísica hindu no equilíbrio das forças), escola demográfica, sociologia fundamental de Comte e Spencer, a sociologia consagrada à psicologia e sociologia da religião. Ao contrário do choque partidário entre os postulados de tais escolas que ocorrem hoje, a natureza da tradição hindu, por ser essencialmente comprometida com a busca da verdade, fomentava o choque dos postulados, porém sem o partidarismo que vemos desde o fim da antiguidade clássica no Ocidente. O motivo disto é que tanto na Índia, como acima colocou Dasgupta, como na Antiguidade Clássica, apesar das exceções, a regra era que a mentalidade entendida no sentido da palavra filosofia em seu significado grego original, ‘amor pela sabedoria’ e sempre comprometida com a busca pela verdade, prevalecia sobre preferências pessoais ou sobre o fanatismo.

            Esta unidade de desenvolvimento do saber nos oferece uma didática maneira de compreender a evolução do pensamento hindu de modo a esclarecer a questão do politeísmo e do monoteísmo, pois ambas concepções, ao contrário do que comumente as pessoas podem supor, movem-se de modo complementar e não discordante dentro da tradição hindu.

            As escrituras primordiais hindus são conhecidas como Vedas, mas é preciso uma explicação sobre dois conceitos que distinguem o conteúdo da tradição hindu. Na tradição hindu parte de sua literatura é denominada Śruti, termo derivado da raiz śru que é ouvir, e durante muito tempo antes desta tradição ser vertida em escritura, era quase um sacrilégio escrever elas, sendo transmitidas oralmente, eram ouvidas pelos sábios, a partir da boca de seus preceptores, cujas origens são remotas e atribuídas à direta procedência divina (Dasgupta, pp. 11, 13). A outra parte da literatura primordial hindu é denominada de Smṛti, e não é atribuída ser necessariamente de procedência diretamente divina.

            René Guenón[1], um estudioso do Oriente e do Ocidente, em sua monografia Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus, cujo esforço foi dirigido exatamente em desfazer mal-entendidos nos estudos comparados ainda carregados de muito viés, fez uma colocação bem didática da diferença no teor do conteúdo das escrituras Śruti e Smṛti.

Śruti refere-se ao conhecimento direto via intuição pura e imediata que se aplica exclusivamente ao domínio metafísico.

Smṛti é o conhecimento consciente por reflexão e racionalidade, direcionado ao conhecimento individual, normalmente com aplicações sociais.

Portanto, a literatura hindu primordial, cuja origem é estimada divina, é denominada com o nome genérico de Veda ou Śruti. Explica Dasgupta:
“(...) Veda em seu mais amplo sentido não é o nome de qualquer livro particular, mas da literatura de uma época particular estendida sobre um longo período, isto é, dois mil anos ou cerca disso.” (Dasgupta, página 12).
            Pode-se, para fins didáticos, fazer a seguinte disposição de como se desenvolveu a literatura védica ou Śrut:

            1 - Samhitas – compreende quatro coleções de hinos:

Rg-Veda – refere-se as altas divindades.

Sāma-Veda – é um desenvolvimento, de modo geral, de aspectos do Rg-Veda.

Yajur-Veda – também desenvolve o Rg-Veda e trata dos sacrifícios religiosos.

Atharva Veda – lida com as divindades inferiores e mais simples, possivelmente resquícios de tempos muito anteriores ao Rg-Veda.
  
          2 – Brāhmanas – São tratados teológicos em prosa que explicam os rituais para os que não estão familiarizados com eles. A elaboração dos rituais aqui começa já ter uma busca especulativa, filosófica, para compreender o sentido total dos rituais.

        3 – Āranyakas – é como um desenvolvimento posterior dos Brāhmanas, e é também denominado como tratados da floresta, pois seus adeptos retiravam-se para as florestas abdicando do uso dos rituais, e em solidão tinham na própria mente e no que esta alcançava a principal ferramenta para a especulação e busca filosófica da natureza da verdade.

 4 – Upanishads – são um desenvolvimento dos Āranyakas compostos de muitos tratados, 108 no total, e têm especialmente múltiplos significados, como “ouvir o professor”, “instrução secreta”, “continência moral e nobres ideais” e “destruição da ignorância inata e a subsequente revelação do conhecimento certo” (Dasgupta, página 38). Nos Upanishads a busca pela natureza da verdade converge com a busca pela compreensão da divindade máxima, através de reflexão e desenvolvimento filosófico amplo e profundo, e formam assim a porção conclusiva da literatura védica e por isso foram assim chamados de Vedānta¸ e esta fornecia o mais alto conhecimento das mais altas verdades e realidades (Dasgupta, página 41).

            Embora a tradição hindu prossiga produzindo outros desenvolvimentos e ramificações, conforme acima posto, os Upanishads finalizam o período védico estritamente falando. Podemos então ver a relação entre monoteísmo e politeísmo no hinduísmo em sua mais legítima expressão que é a védica.

            Quase todos os hinos dos vedas, isto é, os que estão compreendidos nos Samhitas, foram compostos em louvor aos deuses.
“Os deuses aqui são, contudo, personalidades presidindo sobre os diversos poderes da natureza ou formando a própria essência destes. Eles têm, portanto, nenhuma característica definida, sistemática e separada como os deuses gregos ou os deuses dos trabalhos míticos hindus tardios, os Purānas. Os poderes da natureza tais como a tempestade, a chuva, o trovão, são intimamente associados um com outro, e os deuses associados com eles são também similares em características. Os mesmos epítetos são atribuídos a diferentes deuses e é somente em umas poucas qualidades específicas que eles diferem uns dos outros. Nas composições posteriores mitológicas dos Purānas os deuses perderam o caráter deles como poderes hipostáticos[2] da natureza, e assim tornaram-se personalidades reais e personagens tendo as histórias deles de alegria e tristeza como os mortais aqui embaixo. Os deuses védicos devem ser contrastados com eles nisto, que eles são de uma natureza impessoal, como personagens eles são senão, mais que tudo, expressões de poderes da natureza.” (Dasgupta, página 16.)
“Foram as forças da natureza e as manifestações dela sobre a terra aqui, a atmosfera ao redor e acima de nós, ou no paraíso além da abóboda do céu que excitou a devoção e imaginação dos poetas védicos. Assim, com exceção de uns poucos deuses abstratos (...) e algumas divindades duais, os deuses devem ser, de modo aproximado, classificados como terrestre, atmosférico e celestial.” (Dasgupta, página 16.)

Politeísmo, henoteísmo e monosteísmo

           Dasgupta afirma que a pluralidade de deuses védicos é um primitivo estágio de onde se originam as concepções politeístas e monoteístas.
“Os deuses aqui não preservam os próprios lugares como em uma fé politeísta, mas cada um deles encolhe-se em insignificância ou resplandecem como supremo de acordo conforme ele é o objeto de adoração ou não.” (Dasgupta, página 17).
“Neste estágio a época não estava madura o suficiente para eles acordarem uma consistente e bem definida existência para uma multidão de deuses nem para universalizar eles em um credo monoteísta. Eles hipostatizaram[3] inconscientemente qualquer força da natureza que lhes impressionaram ou lhes preenchiam com gratidão e alegria por seus benefícios ou caráter estético, e as adoravam. A divindade a qual movia a devoção ou admiração da mente deles era a mais suprema para a época.” (Dasgupta, página 18).
            Dasgupta chama a atenção para uma interpretação equivocada deste panteão divino feita por Max Müller, na qual um fiel teria como foco sua divindade preferida e as demais desapareceriam de sua consideração. Tal concepção foi denominada por Max Müller de henotheísmo ou kathenotheismo, e, em certa medida, segundo Dasgupta, corrigida por Arthur Anthony MacDonell (1854-1930), em Vedic Mythology, 1897, que afirma que por trás das exageradas preferências de um deus em detrimento de outro, com uma relativa aproximação do monoteísmo, está, na verdade, uma sinergia de deuses, isto é, são deuses interdependentes (Dasgupta, página 18) de modo que seus atributos e funções seriam complementares uns aos outros.

            Outra consideração importante é que a não antropomorfização dos deuses afasta uma cômoda e insatisfatória analogia com o panteão greco-romano, e, consequentemente, com o politeísmo antropomórfico grego, observa Dasgupta (página 19), contudo, não pode ser deixado de acrescentar que mesmo o panteão greco-romano antropomórfico não está sem suas relações complementares de deuses que obedecem uma ordem divina suprema, tal como expôs Claudio Mutti em seu artigo “A doutrina da unidade divina na tradição helênica”. Talvez a relação entre monoteísmo e politeísmo na tradição greco-romana seja menos clara que na tradição hindu devido ao fato de que nesta as escrituras sobre tal relação sejam mais abundantes que na tradição greco-romana, ou talvez que mesmo sem tantas escrituras como a tradição hindu, a tradição greco-romana tem em si as respostas que harmonizam de modo complementar monoteísmo e politeísmo e o problema tenha sido o fanatismo procedente das polêmicas oriundas das religiões abraâmicas, isto é, do judaísmo, cristianismo e islamismo contra a tradição greco-romana.
“A tendência frente ao extremo exagero poderia ser chamada de um viés monoteísta em germe, enquanto a correlação de diferentes divindades independentes uma das outras ainda existindo lado a lado era uma tendência frente ao politeísmo.” (Dasgupta, página 19).

Crescimento da tendência monoteísta

           A sensibilidade primordial hindu, a qual não admite a aleatoriedade como criadora de ordem, conforme será abordado adiante sob o conceito de Ṛta, ao mesmo tempo que inteligia várias forças inteligentes no universo, procurava o sentido delas, o quanto eram divergentes ou convergentes, complementares ou antagônicas, e se havia uma força dirigente suprema.
“Esta tendência para exaltar entusiasticamente um deus como o maior de todos e o mais alto de todos trouxe adiante a concepção de um supremo Senhor de todos seres (Prajāpati) não por um processo de generalização consciente, mas como um necessário estágio de desenvolvimento da mente, capaz de imaginar uma divindade como o repositório da mais alta moral e poder físico, embora sua manifestação direta não pode ser percebida. Assim o epíteto Prajāpati ou Senhor dos seres, o qual era originalmente um epíteto para outras divindades, veio a ser reconhecido como uma divindade separada, a mais alta de todas e a maior de todas.” (Dasgupta, página 19.)
“Similares atributos são também atribuídos para a divindade Vísvakarma (Todo-criador). Ele é dito ser pai e procriador de todos seres, embora ele mesmo não-criado. Ele gerou as águas primitivas.” (Dasgupta, página 19.)

Brahma, karma e Ṛta

            A investigação dos sábios hindus a partir de seus escritos primordiais, a literatura védica ou Śrut, evidenciava conceitos que eram sinérgicos, complementares, que quando sobrepostos podia-se inferir que o que faltava num estava noutro o complemento.  
“A concepção de Brahman a qual tem sido a mais alta glória da filosofia Vedānta dos dias posteriores tinha dificilmente emergido no RG-Veda a partir das associações da mente sacrificial. (...) É somente na Satapatha Brāmana que a concepção de Brahman tem adquirido um grande significado como supremo princípio o qual é a força de movimento por trás dos deuses.” (Dasgupta, página 20).
            Os sacrifícios na tradição hindu são como fórmulas, operações, que ativam ou modulam potências e forças universais, tanto divinas como naturais, e ambas tendo como substância comum a força que permeia todo universo. O sacrifício era considerado como o único tipo de dever, e foi também chamado karma ou kriyā (ação). (Dasgupta, página 22).

            Também é fundamental notar aqui que o primeiro reconhecimento de uma ordem ou lei cósmica prevalecendo na natureza sob a guarda dos mais altos deuses é encontrado no uso da palavra Ṛta (literalmente o curso das coisas). Esta palavra foi também usada para denotar a “ordem” no mundo moral como verdade e “direito”, e no mundo religioso como sacrifício ou “rito” e sua inalterável lei é produzir efeitos.
“É interessante notar nesta conexão que está aqui que nós encontramos os primeiros germes da lei do karma, a qual exerce um controle dominante sobre o pensamento hindu até o presente dia. Assim nós encontramos a simples fé e devoção dos hinos védicos por um lado sendo suplantado pelo crescimento de um complexo sistema de ritos sacrificiais, e por outro uma inclinação do curso deles frente a um conhecimento filosófico ou monoteísta da realidade última do universo.” (Dasgupta, página 22).
            Se o ponto de partida das concepções hindus primordiais procedia do  conhecimento direto via intuição pura e imediata que se aplica exclusivamente ao domínio metafísico, Śruti, as escolas ou sistemas correspondentes a muitas linhas de filosofia (especialmente as seis escolas da linha Āstika), com empenho consciente por reflexão e racionalidade, Smṛti, forneciam os postulados de modo mais sistemático, reafirmando, em grande medida, racionalmente, explicitamente e sistematicamente o que inicialmente era , intuído, implícito e de certa maneira disperso.


Cosmogonia – mitológica e filosófica
           
            A cosmogonia do Rg-Veda pode ser considerada no aspecto mitológico e no aspecto filosófico.

            O aspecto mitológico possui duas correntes, uma de criação natural, como a árvore, e outra, por exemplo, como criação mecânica, a madeira, não bruta, obra do marceneiro.

                 No aspecto filosófico o supremo homem é dito ser o inteiro universo, “ele é o senhor da imortalidade que tem se tornado difundido em todos os lugares entre as coisas animadas e inanimadas e todos os seres vieram dele” (Rg-Veda X, 90).

                 Existem outros hinos nos quais o Sol é chamado alma (ātman) de tudo que é móvel e imóvel (Rg-Veda I, 115).

                 Há também declarações para o efeito que o Ser é um, embora ele é chamado por muitos nomes pelos sábios. (Rg-Veda I, 164 e também I, 46).


                                                       
 Conclusão

       Pode-se entender que na dicotomia entre monoteísmo e politeísmo como é entendida popularmente no Ocidente contemporâneo através de suas três religiões predominantes, judaísmo, cristianismo e islamismo, o monoteísmo é quando compreende-se somente um deus único sem as demais divindades que seriam expressões ou derivações menores desse mesmo deus único, enquanto politeísmo é entendido quando se admite a existência de vários deuses independentes entre si como se não formassem um conjunto harmônico, se encontrando deste modo todos deuses em uma condição de mútua disposição uns contra outros ou independentes uns dos outros, sem terem origem e subordinação a um deus supremo que represente a unidade de todos os demais deuses e seres, pois justamente nessa concepção mal entendida de politeísmo no Ocidente atual não há tal deus supremo. Deste modo no Ocidente atual monoteísmo e politeísmo se excluem um ao outro.

Nas tradições não-abraâmicas como a hindu ou a greco-romana pode-se, usando os temos ocidentais de monoteísmo e politeísmo, entender respectivamente como Deus único a parte monoteísta, que gera de si própria as suas várias expressões que são simbolicamente denominadas por deuses, sendo justamente estes últimos a parte entendida como politeísta. Assim, no ocidente, não é ao judaísmo, cristianismo e islamismo que temos que recorrer para compreender a verdadeira relação complementar entre monoteísmo e politeísmo, mas sim à tradição neoplatônica, onde tal relação complementar é muito bem sintetizada por Julían Marías como “Ser Pleno, e que a partir de si vai emanando, através de uma série de gradações, diferentes expressões da divindade com cada vez menos plenitude, até formar o mundo material.”, ou por Giovanni Reale como “uma substância que deriva de outra substância, com relação à qual é sempre inferior e, contudo, é essa mesma substância a título pleno e capaz, por sua vez, de gerar outras substâncias.” (ver nota 1). É totalmente emblemático, que da mesma maneira que na tradição hindu, a tradição greco-romana no processo de desenvolvimento de seus conceitos religiosos, políticos, simbólicos, psicológicos, etc, também foi harmonizando a compreensão de vários deuses e seres como expressão de uma divindade única, numa unidade divina que contém em si uma multiplicidade de deuses e demais seres, e isto não é coincidência, afinal, hindus, gregos e romanos pertencem ao tronco indo-europeu. Portanto, nas tradições indo-europeias o monoteísmo e politeísmo se complementam como a plena divindade universal em todas suas expressões.

            Por fim, se já nos vedas o monoteísmo de um Deus supremo é já perceptível, embora sem negar a existência de outras divindades que são como expressões desse Ser absoluto, nos tratados seguintes aos vedas, os brāhmanas, além de haver prosseguimento na compreensão do Deus supremo que contém em si todos os demais seres, a busca pela verdade última prossegue, e o desafio que se apresenta é examinar se há algo além do Ser, que seria o não-Ser, e se esta questão se relaciona com o manifestado e o não-manifestado.

É muito relevante registrar a obra The Shape of Ancient Thought (Allworth Press, New York, 2002) de Thomas McEvilley que levanta minuciosamente as semelhanças amplas e profundas entre as tradições hindu e greco-romana, dando um novo fôlego nestes estudos, que foram nas últimas décadas realizados com labor inestimável pelo já falecido Georges Dumézil. Também é preciso advertir que estes estudos comparados, apenas para citar a época contemporânea, já existiam no século XIX em duas correntes, uma a acadêmica através dos orientalistas, e outra, a dos tradicionalistas não acadêmicos, tais como Helena Blavatsky, René Guenón e Julius Evola, e devido aos mais diversos preconceitos, interesses e fanatismos, tanto acadêmicos como tradicionalistas tiveram seus trabalhos atacados recorrentemente, apesar destes conterem em si muitas afirmações, conceitos, ideias particulares e gerais que são muito mais coerentes que as censuras de seus críticos, e inclusive muitas vezes comprováveis à mais básica lógica e verificação, tais como na arqueologia, aliás na própria história desta disciplina (ver Bruce G. Trigger, História do Pensamento Arqueológico) os atrasos e retrocessos por questões de fanatismo e ideologia foram marcantes, como em casos nos quais a antiguidade do homem através das descobertas arqueológicas desmentia a antiguidade do homem afirmada nas escrituras abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo) ou nas teorias iluministas e evolucionistas.


Notas


[1] René Guenón, Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus, Editora IRGET, São Paulo,2009. Parte III, capítulo V.

[2] Nota do autor: Como ponto de partida para entender a hipóstase, conceito difundido pelo filósofo neoplatônico Plotino (204-270 d.C.), devemos considerar antes que conceito este tinha de Deus, chamado de Uno, o qual é ao mesmo tempo o ser, o bem e a Divindade, isto é, o Ser Pleno, e que a partir de si vai emanando, através de uma série de gradações, diferentes expressões da divindade com cada vez menos plenitude, até formar o mundo material (Julían Marías, História da Filosofia, Editora Martins Fontes, 1ª edição, São Paulo, 2004,  páginas 109-111). Entendido isso fica mais compreensível o termo grego hipóstase nas palavras de Giovanni Reale: “Hipóstase significa substância. (...) Melhor ainda, podemos dizer que a hipóstase é uma substância que deriva de outra substância, com relação à qual é sempre inferior e, contudo, é essa mesma substância a título pleno e capaz, por sua vez, de gerar outras substâncias (...)” (Giovanni Reale, Léxico da Filosofia Grega e Romana, Edições Loyola, São Paulo, 2014, nova edição corrigida, vocábulo hipóstase.

[3] Nota do autor: ver nota 1.


Sobre o autor: Mykel Alexander é licenciado em História (Unimes), Bacharel em Farmácia (Unisantos) e está no último semestre de licenciatura em Filosofia (Unimes).

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Monoteísmo x Politeísmo – por Tomislav Sunić