domingo, 23 de dezembro de 2018

Ocidente em risco de vida. Mas qual Ocidente? – parte 2 - Por Mykel Alexander

Primeira parte aqui.

Mykel Alexander

            Quando mencionei na primeira parte deste artigo que Grécia e Roma defenderam os valores do Ocidente, e que tais valores ocidentais eram indo-europeus, isto é, arianos, apenas abordei que em tal defesa houveram avanços e recuos territoriais na antiguidade nos quais em algumas situações, não raras, ocorriam vitórias em combates e conquistas de território, porém com perda de conteúdo original cultural e racial indo-europeu, isto é, ariano, os quais seriam a essência do Ocidente.

            Agora iremos começar a ver o que seria essa essência original do Ocidente.

            Na atualidade é certamente uma minoria da população, ao menos no Ocidente, que se preocupa com as origens de seu povo, de sua cultura e de sua civilização, e como tais expressões humanas se desenvolveram através dos tempos. E dentre esta minoria duas visões prevalecem, a saber, ou a judaico-cristã ou a iluminista-positivista.

            A visão judaico-cristã é determinista no sentido de que a conduta da história é determinada por Deus, mas pelo tipo de Deus difundido pelos padres e pastores conforme estes interpretam a Bíblia.

            A visão iluminista-positivista enxerga, em última análise, que os impulsos da matéria, no universo e no homem, neste último através de leis da bioquímica, determinam a conduta da história.

            Em comum entre a visão judaico-cristã e a visão iluminista-positivista é que ambas entendem a história se desenvolvendo linearmente, como uma evolução ininterrupta, donde ambas admitem um começo primitivo que resultará com o decorrer do tempo num estágio final, este seria o paraíso para os cristãos, e a época da razão para os iluministas-positivistas.

Para os cristãos dentro das correntes católicas essa meta final da existência humana é a felicidade no reino dos céus, normalmente com evasão do mundo material. Nas correntes evangélicas há uma inversão, e se evade do reino dos céus em busca do sucesso material. Há aqui, contudo, certa aversão à ciência quando essa desafia os dogmas religiosos, e o fanatismo prevalece. Todavia, os cristãos alegam representar e defender o Ocidente.

Para os iluministas-positivistas é a felicidade no reino da matéria, onde supostamente a razão dissipa as grosserias e irracionalidades humanas. Há aqui, contudo, certa aversão à religião, porém quando nessa se esboça alguma explicação que supera os postulados científicos, então passam a negar a existência de fatos que estejam além de sua compreensão, ao invés de reconhecerem a existência de tais fatos, que, porém, estão além de compreenderem apenas através da ciência ou do estágio atual da ciência. Todavia, os iluministas-positivistas alegam representar e defender o Ocidente.

            A visão dos greco-romanos difere de ambas.

            De modo sumamente resumido, a visão de mundo greco-romana parte de que há algo que ordena o mundo através de leis, sendo estas captáveis pela inteligência humana, e depois sendo tais leis reproduzidas na vida social em suas cidades. Theos (deus) ordena o caos (matéria) e cria o cosmos (universo). Esta seria uma maneira bem simplificada dessa visão. Em outras palavras, há uma ordem superior ao homem que atua no mundo natural, a qual o homem consegue traduzir para sua própria criação, que é a atividade humana nas cidades (em grego pólis, daí a origem da palavra política como arte ou técnica da convivência dos homens), e tal processo não ocorreria simplesmente como começo, meio e conclusão, de modo ininterrupto e linear, como na visão abraâmica do judaísmo, cristianismo e islamismo, bem como na visão iluminista-positivista, mas sim em ciclos, de começo, meio, fim, e novamente, começo, meio, fim, e assim por diante, daí os postulados de ciclos universais presente entre os estóicos e da reencarnação presente nos ciclos humanos entre os órficos, pitagóricos, platônicos e neoplatônicos.

          Há, portanto, uma lei universal que vale tanto para o mundo espiritual (das forças não materiais) como para o mundo material, mas também há algumas leis apenas para o mundo espiritual, para as quais a religião é o meio do homem conhecê-las, como também há leis apenas para o mundo material, para as quais a ciência é o meio do homem conhecê-las, porém ambas leis espiritual e material são obedientes à lei universal, a qual a filosofia é o meio do homem conhecê-la. Definitivamente relevante é que o mais antigo registro escrito indo-europeu, os Vedas, em seu primeiro hino traz justamente este conceito, de lei ordenadora universal na palavra Rta, da qual deriva a palavra germânica recht e subsequentemente a palavra inglesa right as quais ainda conservam reminiscências da relação direito e lei com ordem.

           Esse algotheos (deus) que ordena o mundo/universo é a referência central tanto para a religião (interiorização dos valores espirituais para entrar em comunhão com Deus) quanto para a filosofia (compreensão consciente e racional dos valores espirituais interagindo no mundo material) indo-europeias, de modo que ambas, religião e filosofia, se complementam, ao contrário de entrarem em conflito constante como ocorre nas tradições abraâmicas, ou seja, no judaísmo, cristianismo e islamismo.

            O greco-romano via divindade e humanidade fazendo parte de um todo, cada qual com suas respectivos atributos e responsabilidades; via mundo espiritual e material como interrelacionados e complementares, desde que de modo harmônico, ordenado, daí theos ser a inteligência e força ao mesmo tempo, que atua com sua força na matéria, caos, direcionando com sua inteligência a criação, cosmos. Deus faz isso no universo, e o homem grego, faz isso em si mesmo e no seu mundo. Espírito e matéria, religião e ciência, todos se complementam, e não entram em conflito. Há um ponto fundamental nisso que separa os indo-europeus, isto é, os arianos, dos abraâmicos (judeus, cristãos e muçulmanos), os arianos têm compromisso com a verdade, os abraâmicos têm compromisso com o fanatismo. É sempre fundamental relembrar essa passagem de Surendranath Dasgupta, historiador da filosofia hindu, de Cambridge, que apesar de mencionar a Índia, trata da mentalidade indo-europeia em sua raiz histórica, a védica:
“A antiga civilização da Índia foi uma unidade concreta de desenvolvimentos multilaterais na arte, arquitetura, literatura, religião, moral, e ciência tanto quanto foi compreendida naqueles dias. Mas a mais importante realização do pensamento hindu foi a filosofia. Ela era vista como o objetivo de todas as mais elevadas atividades teoréticas e práticas e ela indicou o ponto de unidade entre todas aparentes diversidades o qual o complexo crescimento da cultura sobre uma vasta área habitada por diferentes povos produziu.”[1]
            Arte, ciência, religião, moral e política são todas unificadas na filosofia pelo definitivo motivo que nesta a meta é a busca pela verdade, a qual nem sempre pode ser obtida definitivamente, mas a busca pela verdade por si mesma já dissipa os erros de má fé e fanatismo, deixando como obstáculo restante apenas o próprio limite de compreensão, o qual cada povo irá superando gradualmente com seu labor. O fundamental é que erros evitáveis como má fé ou fanatismo podem ser evitados se o compromisso for para com a verdade, e isso é a via da filosofia, a qual foi o eixo de vida dos gregos e depois dos romanos.

            Porém há algo a ser considerado. A filosofia em alto nível é para os que possuem essa inclinação, enquanto as armas em alto nível também são para os que possuem a respectiva inclinação, o mesmo vale para o trabalho, em alto nível, é para os que possuem esta respectiva inclinação, por isso na obra grega suprema da temática política, a República de Platão, o Estado era organizado de modo a acolher a disposição de seus membros em relação às suas inclinações, e, portanto teria em sua composição as frações de trabalhadores rurais, operários e artesãos, de guerreiros, e de legisladores, mas todos passariam pelo desenvolvimento básico da filosofia, que é o compromisso com a sabedoria, na medida do possível de suas inclinações, e o compromisso com a verdade sempre. Isto quer dizer que o ideal de Homem grego, independente de sua inclinação e função social, continha o compromisso para com a verdade, de modo que por mais que fosse um simples camponês, um grego deveria ter essa mente filosófica na qual tanto a espiritualidade quanto as questões técnicas, que são científicas em germe, já estariam presentes no mínimo rudimentarmente, ao contrário do que ocorre entre fanáticos abraâmicos, judeus, cristãos e islâmicos, bem como entre iluministas e positivistas, em que a admissão do mundo espiritual exclui o exame científico imediatamente, e vice-versa, quando a sobreposição de religião e ciência magoa algum dogma caro aos fanáticos ou algum paradigma caro aos iluministas-positivistas. 

               E esta natureza mental em que religião e ciência se complementam ao invés de se excluírem é a que sempre esteve presente no homem grego desde que a Grécia se recompôs de sua Idade Média (esta perdurou entre os séculos XII e VIII a.C.), levando os gregos a erigirem direta ou indiretamente as criações culturais e civilizatórias que deram as maiores alturas que o Ocidente viu. Nem judeus, nem cristãos, nem islâmicos, nem iluministas e nem positivistas pertencem a este Ocidente, em suas origens legítimas. 

Continua...


Nota


[1] Surendranath Dasgupta, A History of Indian Philosophy, Cambridge University Press, Londres, 1922, volume 1, página VII.


Sobre o autor: Mykel Alexander é licenciado em História (Unimes), Bacharel em Farmácia (Unisantos) e está no último semestre de licenciatura em Filosofia (Unimes).
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2 comentários:

  1. Texto impecável. Parte III?

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    1. Grato!

      As partes três em diante serão uma volta ao passado, vendo nossas origens indo-europeias, e depois uma apreciada, na parte final, nas bases essenciais que fizeram os gregos superar o colapso do mundo mediterrâneo e lhes permitiram alçar os valores que levaram por si próprios a humanidade nas maiores alturas, ou foram auxiliares e base de outros valores que fizeram tais feitos!

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