Tomislav Sunić |
Nota: Abaixo está o meu
artigo que escrevi originalmente em francês para o site franco-bretão dos
identitários europeus, Breizh-Info.[1]
Para
cada um de nós, seu próprio autor, para cada um de nós, sua própria
interpretação da obra do autor. Por várias razões, escolhi para nossa discussão
hoje um escritor e filósofo da Sabóia Joseph de Maistre {1753-1821}. Maistre
foi contemporâneo de Napoleão, embora quase nunca mencione Napoleão em sua
obra. Ele também foi um discípulo do Iluminismo, embora fosse seu adversário
mais intensamente feroz. Todos nós devemos, portanto, nos fazer uma pergunta;
bem, o que Maistre tem a ver conosco e quão relevante ele é para os europeus
que vivem agora no sistema liberal? Vou examinar brevemente as crenças de
Maistre e também discutir se ele pode ser útil na compreensão das ideias
dominantes de nosso tempo. Os europeus ainda podem usar partes de seus
ensinamentos em face das catástrofes que estão vindo? Quanto à minha escolha
desse autor, também há um lado pessoal. Compreender e interpretar qualquer obra
literária geralmente depende do humor e do caráter do intérprete. Sendo por
natureza inclinado ao pessimismo cultural e cético em relação à ideia de
progresso, não deveria ser surpresa que eu tenha escolhido Maistre e sua
crítica aos amanhãs felizes liberais. Além disso, lembremos também que este ano
marca o bicentenário da sua morte.
Primeiro
de tudo, nós devemos lembrar que as ideias políticas de Maistre estão
intimamente ligadas às suas crenças ultracatólicas e ultramontanas, bem como à
sua crença inabalável no punho de ferro da Providência divina. Sendo amaldiçoada
pelo Pecado Original, a espécie humana, desde o nascimento, está condenada ao
Mal eterno, bem como a ser vítima de sofrimentos incessantes. O homem não pode
escapar do Mal, mesmo que seja bom, mesmo que se considere um homem virtuoso, e
mesmo que se gabe de nunca ter feito mal para seu companheiro homem. Pelo
contrário, quanto mais virtuoso um homem é, mais provável será exposto ao Mal,
que Maistre chama de “culpa hereditária”.: “Por outro lado, é igualmente
possível que um homem torturado por um crime que ele não cometeu realmente mereceu
a punição por um crime absolutamente desconhecido.”[2]
{Escritor e filósofo da Sabóia Joseph de Maistre (1753-1821)} |
Consequentemente,
seguindo nosso nascimento gratuito, irrevogavelmente “caímos no tempo” – a
expressão cunhada por Emile Cioran, um proeminente filósofo franco-romeno do
juízo final cujo próprio trabalho foi profundamente inspirado por Maistre. Como
resultado dessa queda, todos nós, sem nenhuma exceção, somos brinquedos de
reversibilidade, ou seja, devemos expiar não apenas as falhas e defeitos de
nossos ancestrais distantes, defeitos que eles podem ter cometido sem nosso
conhecimento prévio dele; mas somos igualmente obrigados a expiar os crimes
daqueles que nos estão prejudicando agora, e mesmo daqueles que nos
prejudicaram ou a outros, milhares e milhares de anos antes de nascermos, e
cujos nomes nunca saberemos.
Maistre
nos lembra que “o mal tem danificado a pureza de tudo, e tudo no homem nada
mais é do que doença.”[3] Portanto, qualquer busca
pela felicidade terrena é insuficiente – um esforço patético fadado ao
fracasso; pois quem se recusa a sofrer não é digno de ser chamado de ser
humano.
Abundam
os exemplos de perpétuo mal. Na verdade, é suficiente dar uma olhada rápida no
passado político da Europa. A história europeia tem sido uma longa trajetória
de conflitos, guerras civis, violência e cataclismos. Portanto, uma melhoria do
mundo, ou poderosa ânsia por um mundo governado pela razão, tão elogiado pelos
enciclopedistas do século XVIII, nunca pode ser sucedido em ser alcançado.
Infelizmente, a história prova que a guerra é, em certo sentido, o estado habitual da humanidade, o que significa dizer que o sangue humano deve fluir sem interrupção em algum lugar do globo e que, para cada nação, a paz é apenas uma suspensão temporária.[4]
O
culto da Razão, instalado pelos revolucionários franceses como uma nova
religião secular, incluindo sua nova Deusa da Razão, acabou sendo uma grande
fraude histórica. Subsequentemente, esse culto resultou na escalada da
violência entre indivíduos e entre nações, como visto durante a revolução
bolchevique na Rússia, um século após a morte de Joseph de Maistre. Ao
contrário de Jean-Jacques Rousseau e suas divagações confusas e inconsequentes
sobre “o nobre selvagem” e suas crenças na alegada liberdade do homem no
nascimento, a autoridade sempre precede a razão e não o contrário. O homem
torna-se consciente de sua razão, ou seja, sua capacidade de pensar e
raciocinar, apenas dentro de sua família, sua tribo, seu clã e seu povo, guiado
por homens sábios e seu senso de tradição. A razão abstrata de cientistas e
sábios da ilustração, conforme reverenciada pelos revolucionários franceses do
século XVIII e seus descendentes comunistas liberais do século XX, e mais tarde
seus sucessores multiculturalistas e globalistas do século XXI, é uma grande
farsa que, sob o verniz de “direitos humanos”, “multiculturalismo” e
“tolerância,” apenas auguram novos massacres. Como um bom conhecedor das
línguas clássicas e das línguas europeias modernas de seu tempo, durante seus
longos diálogos no curso de suas longas caminhadas ao longo da orla de São
Petersburgo, Joseph Maistre foi capaz de prever o perigo iminente da conversa de
duplo sentido jacobina a qual foi lançada mais tarde pelos bolcheviques e que é
comum hoje em dia em meio à nova superclasse mundial baseada em Bruxelas e
Washington DC.
Mas não existe tal coisa como ‘homem’ neste mundo. Em minha vida, eu tenho visto franceses, italianos, russos, etc.; graças a Montesquieu, eu até sei que se pode ser persa. Mas, quanto ao homem, eu declaro que nunca em minha vida o conheci; se ele existe, ele é desconhecido para mim.[5]
Em
retrospecto, essa passagem pode nos ajudar a entender melhor a dissolução do
império soviético e a emergência da Ucrânia e de outras nações cujas aspirações
nacionais poucos conheciam antes. O mesmo foi verdade para os croatas e
eslovenos durante a dissolução da Iugoslávia multicultural em 1991. Tudo parece
bem quando a pregação é sobre o homem abstrato; no entanto, uma vez que a crise
começa, cada um de nós, mesmo a pessoa menos nacionalista, sabe muito bem com
qual família, ou seja, dentro do grupo,[6] ele deve se relacionar e
em qual linguagem ele irá demonizar seu vizinho agora inimigo. Pior ainda, as
ideias de progresso e suas grandes efusões otimistas sobre o melhor de todos os
mundos possíveis, conforme imaginado pelos filósofos da Idade do Iluminismo,
como Rousseau, inevitavelmente levam a uma nova rodada de revoluções com suas
procissões de massacres e sofrimentos. A sangrenta Revolução Francesa, da qual
Maistre foi uma das principais testemunhas, foi apenas o início do Mal desejado
pela Providência divina. Se Maistre tivesse vivido no século XX, suas palavras
sobre a revolução bolchevique na Rússia imperial de 1917 teriam soado ainda
mais convincentes.
Portanto,
se cada revolução produz o Mal, por que Deus permite isso em primeiro lugar?
Esta é uma tentativa divina de testar a humanidade ou é uma fraude originada em
uma religião monoteísta do Oriente Médio? Maistre defende a autoridade
monárquica e a Inquisição como o único remédio; em outras palavras, ele elogia
os regimes que até recentemente eram rotulados como “regimes musculares.” No
entanto, basta pensar nas guerras de religião na França do século XVI ou na
Guerra dos Trinta Anos na Europa central do século XVII para perceber que sua
violência não foi menor do que a da Revolução Jacobina condenada por Maistre.
Nem sua escolha de colocar o governo nas mãos de papistas e professores
jesuítas que conhecem tudo inspira confiança.
Pertence aos prelados, aos nobres, aos grandes oficiais do Estado ser os depositários e guardiães das verdades salvadoras, ensinar aos povos o que é bom e o que é mau, o que é verdadeiro e o que é falso nas ordens morais e espirituais. Os outros não têm o direito de raciocinar sobre esse tipo de coisa. Eles têm as ciências naturais para divert-los.[7]
Devemos
nós, portanto, deixar aos jesuítas, aos papistas e ao clero católico o
restabelecimento da ordem na Europa e a preservação do simulacro de nossa
pequena felicidade? Fora de questão – pelo menos para a minoria de pensadores
livres que ainda permanecem. Em vista das homilias {na tradição cristão é uma
preleção dada por um sacerdote no decorrer de uma missa após a leitura do
Antigo Testamento e do Novo Testamento} pró-migração do atual papa e de seu
alto clero na Europa e nos Estados Unidos e suas declarações multiculturais em
favor dos migrantes afro-asiáticos, não há mais necessidade de comissários
comunistas. O próprio Maistre ficaria chocado com sua própria lógica ecumênica,
a qual agora produziu o pior cenário que surge diariamente ao observar os
pronunciamentos papais. Duzentos anos depois, o grande discípulo e admirador de
Maistre, Emile Cioran {(1911-1995) filósofo romeno}, também um campeão da Queda
no Tempo, embora pagão devido à sua visão do sagrado, acertadamente nos
avisou que, de agora em diante, não devemos esperar nada: nem dos homens nem
dos deuses.[8]
Tradução
e palavras entre chaves por Mykel Alexander
[1] Fonte utilizada por Tomislav
Sunić: Joseph de Maistre et l’Eloge du Mal (1753-1821). Par Tomislav Sunic, 24
de outubro de 2021, Breizh-info.
[2] Nota de Tomislav Sunić: Joseph de Maistre, St. Petersburg Dialogues (First Dialogue), tradução e edição por R.A. Lebrun (Montreal: McGill-Queens University Press, 1993), página 21.
[3] Nota de Tomislav Sunić: Joseph de Maistre, St. Petersburg Dialogues (First Dialogue), tradução e edição por R.A. Lebrun (Montreal: McGill-Queens University Press, 1993), página 36.
[4] Nota de Tomislav Sunić: Joseph de Maistre, Considerations on France, traduzido e editado por R. A. Lebrun (Montreal: McGill University Press, 1994), página 23.
[5] Nota de Tomislav Sunić: Joseph de Maistre, Considerations on France, traduzido e editado por R. A. Lebrun (Montreal: McGill University Press, 1994), página 53.
[6] Fonte utilizada por Tomislav Sunić: The Church in European History,
resenha de Kevin MacDonald sobre: Larry Siedentop, Inventing the Individual:
The Origins of Western Liberalism, New York: Penguin Books, 2015 (first
published: London: Allen Lane,2014). Em The Occidental Quarterly, vol.
16, nº 4, inverno 2016–2017.
https://www.academia.edu/34158018/THE_CHURCH_IN_EUROPEAN_HISTORY
[7] Nota de Tomislav Sunić: Joseph de Maistre, St. Petersburg Dialogues (First Dialogue), tradução e edição por R.A. Lebrun (Montreal: McGill-Queens University Press, 1993), página 260.
[8] Nota de Tomislav Sunić: E.M. Cioran, The Fall into Time
(Chicago: Quadrangle books, 1970). Também T. Sunic, “Emile Cioran and the
Culture of Death.” 14 de março de 2012.
Fonte: Joseph Maistre and
the Inevitability of Evil - por Tomislav Sunić, Ph.D., 28 de outubro de 2021, The
Occidental Observer.
https://www.theoccidentalobserver.net/2021/10/28/joseph-maistre-and-the-inevitability-of-evil/
Sobre o autor: Tomislav Sunić (1953 – ), nascido na
Croácia, é um autor, diplomata, tradutor, professor de Ciência Política,
historiador. Estudou francês, inglês e literatura na Universidade de Zagreb.
Tem mestrado na Califórnia State University e recebeu seu doutorado em Ciência
Política na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. De 1993 até 2001 ele
trabalhou como funcionário do governo croata em diversas posições diplomáticas
em Zagreb, Londres, Compenhagen e Bruxelas. Entre seus livros estão:
Against Democracy and Equality: The European
New Right – 1ª edição (New York: P. Lang, 1990), 2ª edição (Newport
Beach, CA: Noontide Press, 2004), e 3ª edição (London: Arktos Media,
2011). Em espanhol foi publicado como Contra la
Democracia y la Igualdad: La Nueva Derecha Europea (Tarragona:
Ediciones Fides, 2014).
Homo americanus: Child of
the Postmodern Age (USA: Book Surge Publishing,
2007).Tradução espanhola: Homo Americanus: Hijo de la Era
Postmoderna (Barcelona: Ediciones Nueva República, 2008).Tradução francesa:
Homo Americanus: Rejeton de l’ère postmoderne (Saint-Genis-Laval: Akribeia,
2010).
Postmortem Report: Cultural Examinations from
Postmodernity (Shamley
Green, UK: The Paligenesis Project, 2010).
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