quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Intolerância: consequência lógica do liberalismo - por Patrick J. Deneen

 

Patrick J. Deneen


Nesta altura em que o mundo passa por completa reconfiguração, marcada pelo empoderecimento de novas nações, por tensões culturais internas e por crescente ceticismo quanto ao modelo mundialista, Deneen defende as lealdades locais, as raízes religiosas e as tradições nacionais como essenciais à saúde política das nações. Ele considera que a chamada “intolerância liberal” não consiste numa anomalia, mas sim numa consequência lógica de um sistema que, se não domestica as convicções profundas, recorre à coerção direta contra elas.

Sua leitura da política americana e europeia rompe com as categorias clássicas de esquerda e direita. Segundo ele, o novo plano de clivagem política aparta uma elite transnacional ― educada, cosmopolita e corporativista ― de uma classe trabalhadora que, paradoxalmente, deveio a principal força conservadora. A entrevista, realizada quando foi da MCC Feszt, resume suas ideias sobre a mudança de paradigma, os limites da tolerância progressista e o conceito de bem comum nas sociedades fragmentadas.

Nosso colega Javier Villamor entrevistou-o para The European Conservative. A tradução [do inglês para o francês] é nossa [da Breizh-info].

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O paradigma direita-esquerda mudou?

Patrick J. Deneen: sim, fundamentalmente. Depois da Segunda Guerra Mundial, a esquerda defendia a classe trabalhadora, inspirada nas tradições socialistas e mesmo marxistas, enquanto a direita representava as elites financeiras. Atualmente, ocorre o inverso: o Partido Democrata americano é o partido das grandes empresas, da gente de alta renda e daqueles com escolaridade superior; seus principais doadores são as universidades, as corporações transnacionais e as grandes instituições. O Partido Republicano tornou-se o partido da classe trabalhadora. Isso desmantela a ideia de que os trabalhadores sejam sempre favoráveis às soluções de esquerda. O próprio Marx acreditava que a classe trabalhadora, sendo mais conservadora do que a elite, valorava a estabilidade, a ordem e as tradições.

 

Há um pensamento mundial monolítico que nos confronta em nome da diversidade?

Patrick J. Deneen: a diversidade foi sempre um desafio; não se trata de invenção moderna. O liberalismo contemporâneo sugere que não busquemos o bem comum, mas antes aquilo que nos der na veneta, observado um pacto de não agressão. Porém, isso pressupõe que todos sejamos sobretudo liberais; depois, se quisermos, poderemos escolher ser católicos ou judeus ou muçulmanos ou … Destarte, a diversidade pressuposta acaba por se dissolver numa homogeneidade formada de consumidores materialistas. A escolha forçada empobrece a vida humana, privando-nos de elementos essenciais, como a amizade, a família, a busca da verdade, sem o que nos perdemos num vazio de sentido.

 

Como o liberalismo reage àqueles que resistem à imposição de seu projeto?

Patrick J. Deneen: a princípio, por meios indiretos, econômicos, principalmente: para não ser marginalizado, é preciso deixar de lado as próprias crenças ou valores tradicionais, em nome da eficácia. Entretanto, quando a resistência passa a envolver aspectos fundamentais ― como a visão do homem e da mulher, o casamento ou Deus ― o liberalismo lança mão de meios diretos. Daí emerge o que eu chamo de “intolerância liberal” ou “liberalismo iliberal”. Não se trata de um desvio, mas sim da consequência lógica do próprio desenvolvimento liberal.

 

A avançada liberal tem limites?

Patrick J. Deneen: sim, a negação da realidade biológica chegou a um ponto de ruptura. Pretender que os homens e as mulheres não existam ou chamar as mulheres de “pessoas dotadas de útero” desencadeou uma reação popular. Todos aqueles que apoiaram Trump não o fizeram por afinidade pessoal, antes buscaram responder ao radicalismo progressista.

 

O liberalismo está, inevitavelmente, destinado a chegar ainda mais longe?

Patrick J. Deneen: seu movimento explica-se por sua lógica ínsita. O liberalismo busca subverter novas realidades, sempre no intento de plenificar a liberdade individual, razão pela qual ele toma o fato de alguém ser homem ou mulher, pai ou criança, como algo arbitrário, uma simples convenção social que se pode e deve mudar, conforme a livre vontade de cada pessoa. A realidade não se deixa substituir pelo desejo, mas a dinâmica revolucionária não arrefece. Nós estamos sofrendo as consequências terminais da lógica liberal, sendo o mesmo dizer que estamos submetidos à opressão liberal.

 

A verdade tem proteção?

Patrick J. Deneen: a realidade tende a se manifestar, porque ela faz parte da nossa natureza humana. Isso inclui o reconhecimento dos papéis distintos do homem e da mulher, mas também o fato de fazermos parte da natureza. Nessa questão, a direita retoma suas posições: não se trata só de alarmismo climático, mas de saber como viver sem transgredir os limites do planeta. Há uma tensão entre o otimismo tecnológico, que busca ultrapassar esses mesmos limites, chegando até Marte, e um conservadorismo mais terra-a-terra, valorador da agricultura, da comunidade local e da moderação no consumo.

 

Como a sua pessoa definiria o bem comum?

Patrick J. Deneen: a palavra “Comum”, em inglês, significa, simultaneamente, “Compartido” e “Ordinário”. Uma maneira de perceber o bem comum consiste em observar como se comportam as pessoas medianas, o homem da rua. Essa gente ascende ou declina? JD Vance, o atual vice-presidente dos Estados Unidos, tem origem nesse meio social e sabe o quanto dói vê-lo devastado por políticas socioeconômicas desacertadas. Uma sociedade bem-ordenada deve permitir às crianças das famílias comuns que disponham de oportunidades reais, mesmo sem as regalias da elite.

Tradução por Chauke Stephan Filho

 

 


Fonte em português: Patrick J. Deneen: intolerância: consequência lógica do liberalismo, 06 de setembro de 2025, The Occidental Observer.

https://www.theoccidentalobserver.net/2025/09/06/patrick-j-deneen-intolerancia-consequencia-logica-do-liberalismo/

L’intolérance du libéralisme n’est pas une déviation, mais la conséquence logique de son développement, por Patrick J. Deneen, 16 de agosto de 2025, Breizh-info.

https://www.breizh-info.com/2025/08/16/250089/patrick-j-deneen-lintolerance-du-liberalisme-nest-pas-une-deviation-mais-la-consequence-logique-de-son-developpement/

Sobre o autor: Patrick J. Deneen (1964-) é um teórico político e autor americano, conhecido por sua análise crítica do liberalismo e seus efeitos na sociedade contemporânea. Ele é professor de ciência política na Universidade de Notre Dame, onde seu trabalho enfatiza as inter-relações entre filosofia política, cultura e religião. Deneen foi gradupu-se na Universidade Rutgers com um BA em literatura inglesa em 1986. Ele obteve um doutorado em ciência política começando na Universidade de Chicago, estudando lá por um ano antes de retornar à Rutgers em 1995. Ele lecionou na Universidade de Princeton de 1997 a 2005 como professor assistente. Deneen ingressou no corpo docente da Universidade de Georgetown em 2005 e foi Professor Associado de Governo da Cátedra Tsakopoulos-Kounalakis até 2012. Dentre os livros que escreveu estão:

The Odyssey of Political Theory, Rowman & Littlefield, 2000.

Democratic Faith, Princeton University Press, 2005.

Conserving America? Essays on Present Discontents, St Augustine's Press, 2016.

Why Liberalism Failed, Yale University Press, 2018.

Regime Change: Toward a Postliberal Future, Sentinel, 2023.

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