Laurent Guyénot |
O Culto Misterioso de
Mitras
Para
explicar como uma irmandade secreta de judeus sacerdotais poderia finalmente
converter o Império ao culto de um messias judeu, Barbiero apresenta outra
teoria ousada, baseada na íntima conexão entre cristianismo e mitraísmo.
O culto de Mitras, associado ao Sol Invictus,
experimentou seu rápido desenvolvimento em Roma na época de Domiciano. Como
explica Barbiero, “não era uma religião, mas uma associação esotérica reservada
exclusivamente aos homens. Todos os
participantes eram sacerdotes, pelo menos a partir do quarto grau, e entre eles
havia diferenças apenas de hierarquia determinada pelo nível de iniciação” (p.
164). A maioria dos mithraea eram criptas subterrâneas, e muitos agora
são encontrados sob as igrejas. “Tanto as fontes escritas como os testemunhos
arqueológicos demonstram que, a partir de Domiciano, Roma sempre foi o centro
mais importante desta organização, profundamente enraizada no próprio seio da
administração imperial, tanto no palácio como na Guarda Pretoriana” (p.160).
Tertuliano
e outros autores cristãos notam os paralelos entre o mitraísmo e o cristianismo
e os atribuem à imitatio diabolica: Diz-se que Mitra era um demônio que
imitava os sacramentos cristãos para desviar os homens. Os historiadores
geralmente concordam que a imitação procedeu na direção oposta.
Mitra abatendo o touro, c. 150 DC |
Os
paralelos não devem ser exagerados. Por exemplo, o fato de que tanto Mitras quanto
Jesus nasceram no solstício de inverno é pouco significativo, pois esse é um
desenvolvimento tardio no caso do cristianismo (não tem base nos Evangelhos) e
se aplica a muitas outras divindades. Mas há muitas outras semelhanças, como a
cerimônia mitraica “durante a qual eles consumiram pão e vinho consagrados em
memória da última ceia de Mitras” (p. 162).
A organização mitraica era presidida por um chefe supremo conhecido como pater partum [abreviado como papa], que governava de uma gruta na colina do Vaticano em Roma, onde Constantino mandou construir a basílica de São Pedro em 322. Esta caverna do Vaticano (o chamado Phrygianum, que ainda está situado ao pé da atual basílica) permaneceu a sede central do culto de Mitras até a morte do último pater patrum, o senador Vectius Agorius Praetextatus, em AD 384. Imediatamente depois, o culto a Mitras foi oficialmente abolido e a caverna foi ocupada por Sirício (o sucessor do bispo de Roma, Dâmaso), que adotou o nome do chefe da seita mitraica, pater patrum, ou papa, pela primeira vez na história da igreja. Ele também adotou a mesma roupa e sentou-se na mesma cadeira, que se tornou o trono de São Pedro em Roma. Desenhos mitraicos estavam – e ainda estão – gravados neste trono. Sol Invictus Mithras, que, segundo os historiadores, tinha a crença da maioria no senado romano, no exército e na administração pública, desapareceu quase imediatamente, sem qualquer assassinato, perseguição, exílio ou abjuração forçada. Da noite para o dia, o senado romano, reduto do culto a Mitras, descobriu que era totalmente cristão. [...] O assento, as vestes, o título e as prerrogativas do pater patrum não foram as únicas coisas que passaram do culto de Mitras para a igreja. Além das semelhanças nas doutrinas e rituais, encontramos nas igrejas cristãs a mesa de pedra em frente à abside – o altar onde o disco do sol era exibido na mithraea. Nós também encontramos a estola, o capacete do bispo (ainda chamado mitra), as vestes, as cores, o uso do incenso, o aspergillum, as velas acesas em frente ao altar, as genuflexões e, não menos, o mais representativo objeto que domina o rito cristão: a exibição da Hóstia, que está contida em um disco de onde irradia o sol, ostensório. (págs. 162-164).
Ostensório |
O
culto de Mithras, observa Barbiero, “prosperou quase em simbiose com o
cristianismo – a tal ponto que as igrejas cristãs muitas vezes se erguem acima
ou ao lado de locais de adoração mitraica. É o caso, por exemplo, das basílicas
de São Clemente, de Santo Estêvão Rotundus, de Santa Prisca, e assim por diante,
as quais surgiram sobre grutas dedicadas a adoração do Sol Invictus” (p. 32).
Barbiero
conclui que o mitraísmo e o cristianismo “não eram duas religiões em
competição, como nós costumamos ler, mas eram duas instituições de uma natureza
diferente que estavam intimamente ligadas” ou “dois lados da mesma moeda”.
(pág. 163). Ele obtém concluindo que o culto iniciático de Mitras foi
transformado sob os flavianos em um tipo de maçonaria, que promoveu o
cristianismo como uma religião exotérica para o povo.
Mas
obviamente o cristianismo não deriva inteiramente do mitraísmo: ele tem raízes
judaicas. Como o Mitraísmo se misturou com o Judaísmo? Este Barbiero explica
com a hipótese de que, sob os Flavianos, os judeus sacerdotais entraram no
sacerdócio mitraico em uma estratégia concertada para assumi-lo e judaizá-lo –
assim como eles fariam com a Maçonaria séculos mais tarde. Desde a época de
Domiciano, os seguidores do mitraísmo “eram libertos da família imperial dos
flavianos – e consequentemente, com toda a probabilidade, judeus romanizados”
(p. 159). “Sol Invictus Mithras era a cobertura atrás da qual escondia a
organização esotérica secreta recriada em Roma pela família sacerdotal mosaica
que havia escapado do massacre em Jerusalém” (p. 173). Eu não estou
convencido aqui. A hipótese da aquisição do mitraísmo pelos sacerdotes
judeus é um elo fraco na cadeia de hipóteses de Barbiero. O mitraísmo
claramente não é um culto judaico, e a tese de sua subversão por sacerdotes
judeus no primeiro século d.C. baseia-se em muita pouca evidência.
Contudo,
um olhar mais atento à origem oriental do mitraísmo pode nos esclarecer. Plutarco
explica (Vidas Paralelas, xxiv, 7) que o culto de Mitra foi trazido pela
primeira vez da Ásia Menor depois que Pompeu derrotou Mitrídates VI, rei de
Ponto, que, embora de origem persa, governou sobre a Anatólia. Mitras é um deus
frígio – daí seu chapéu frígio – e Mitridates significa “presente de Mitras.” O
historiador romano Apiano de Alexandria, em As Guerras Estrangeiras,
descreve a terceira guerra mitridática como uma guerra mundial e diz que “no
final, ela trouxe o maior ganho para os romanos; pois ampliou os limites de seu
domínio desde o pôr do sol até o rio Eufrates.”21
Enquanto procurava mais informações
sobre o mitraísmo, eu encontrei um livro de Cyril Glassé intitulado Mithraism,
the Virus that Destroyed Rome (2016). Embora o livro seja de qualidade não
acadêmica, é valido considerar sua visão central:
A religião do mitraísmo era um cavalo de Tróia deixado para trás na praia por Mitrídates VI do Ponto como veneno para os romanos tomarem com uma tigela de cerejas. […] O mitraísmo era um culto a si mesmo designado para subverter e destruir Roma. Esse culto deixou sua marca na civilização ocidental.
Segundo
Glassé, o sacrifício do touro, ou Taurobolium, representado em
incontáveis relevos, era um enigmático apelo à vingança contra Roma: o touro
representa Roma, enquanto Mitras é Mitrídates. Essa teoria é surpreendentemente
semelhante à de Barbiero, apenas com os frígios em vez dos judeus como
conspiradores contra Roma. A tese de Glassé também é tão infundada quanto a de
Barbiero, mas ambas podem se reforçar se lembrarmos que frígios e judeus foram
derrotados por Pompeu durante a mesma campanha militar em 63 a.C., que havia
muitos judeus no reino de Mitrídates e que muitos cativos de ambas as nações
foram trazidos para Roma no primeiro século a.C. Eles compartilharam um destino
comum e, talvez, uma aspiração comum de vingança.
Eu
não consigo pensar em uma razão particular pelo qual o touro simbolizaria Roma
para os judeus cativos de Pompeu, mas eu me deparei com um detalhe interessante
que poderia explicar por que ele poderia simbolizar Roma para os judeus cativos
de Vespasiano: a Legio X Fretensis romana, que teve um envolvimento
central durante a guerra judaica – desde o ataque da Judéia em 66 até a captura
de Massada em 72, passando pelo cerco de Jerusalém levando à destruição do
Templo em 70 –, tinha o touro como seu símbolo.
A bandeira da Legio X Fretensis e um áureo dourado em sua homenagem |
Barbiero está levando à noção de que os judeus não apenas impuseram uma religião judaica ao Império, mas também assumiram sua liderança quando o imperador foi substituído pelo papa:
O objetivo da estratégia era a substituição completa da classe dominante do Império Romano pelos descendentes da família sacerdotal que havia sobrevivido à destruição de Jerusalém e do Templo. Este resultado foi alcançado em menos de três séculos, pelos quais todas as religiões antigas foram eliminadas e substituídas pelo cristianismo, e a primitiva nobreza romana tinha sido virtualmente aniquilada e substituída por membros da família de origem sacerdotal que tinham acumulado todo o poder e riqueza do Império. (pág. 184).
Esta tese é a base para as duas últimas partes do livro de Barbiero, sobre “As raízes judaico-cristãs da aristocracia europeia” e sobre “as origens em mosaico das sociedades secretas modernas”. Essas partes, embora bastante especulativas, estão repletas de petiscos informativos e novas inferências percebidas sobre esses assuntos misteriosos e fascinantes. A primeira parte sobre a linhagem de Moisés também é original e bem argumentada, mas não é diretamente relevante para o assunto discutido aqui.
Tradução
e palavras entre chaves por Mykel Alexander
21 Nota de Laurent Guyénot: Cyril
Glassé, Mithraism, the Virus that Destroyed Rome, Revelation, 2016.
How Yahweh Conquered Rome - Christianity and the Big Lie, por Laurent Guyénot, 25 de dezembro de 2020, The Unz Review – An alternative media selection.
https://www.unz.com/article/how-yahweh-conquered-rome/
Sobre o autor: Laurent Guyénot (1960-) possuí mestrado em Estudos Bíblicos e trabalho em antropologia e história das religiões, tendo ainda o título de medievalista (PhD em Estudos Medievais em Paris IV-Sorbonne, 2009) e de engenheiro (Escola Nacional de Tecnologia Avançada, 1982).
Entre seus livros estão:
LE ROI SANS PROPHETE. L'enquête historique sur la relation entre Jésus et Jean-Baptiste, Exergue, 1996.
Jésus et Jean Baptiste : Enquête historique sur une rencontre légendaire, Imago Exergue, 1998.
Le livre noir de l'industrie rose – de la pornographie à la criminalité sexuelle, IMAGO, 2000.
Les avatars de la réincarnation: une histoire de la transmigration, des croyances primitives au paradigme moderne, Exergue, 2000.
Lumieres nouvelles sur la reincarnation, Exergue, 2003.
La Lance qui saigne: Métatextes et hypertextes du Conte du Graal de Chrétien de Troyes, Honoré Champion, 2010.
La mort féerique: Anthropologie du merveilleux (XIIᵉ-XVᵉ siècle), Gallimard, 2011.
JFK 11 Septembre: 50 ans de manipulations, Blanche, 2014.
Du Yahvisme au sionisme. Dieu jaloux, peuple élu, terre promise: 2500 ans de manipulations, Kontre Kulture, Kontre Kulture, 2016. Tem edição em inglês: From Yahweh to Zion: Jealous God, Chosen People, Promised Land...Clash of Civilizations, Sifting and Winnowing Books, 2018.
Petit livre de - 150 idées pour se débarrasser des cons, Le petit livre, 2019.
“Our God is Your God Too, But He Has Chosen Us”: Essays on Jewish Power, AFNIL, 2020.
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Relacionado: sobre a questão judaica, sionismo e seus interesses globais ver:
O Gancho Sagrado - O Cavalo de Tróia de Jeová na Cidade dos Gentios {os não-judeus} - por Laurent Guyénot - parte 1 (demais duas partes na sequência do próprio artigo)
O truque do diabo: desmascarando o Deus de Israel - Por Laurent Guyénot - parte 1
Sionismo, Cripto-Judaísmo e a farsa bíblica - parte 1 - por Laurent Guyénot (parte 2 na sequência do próprio artigo)
Conversa direta sobre o sionismo - o que o nacionalismo judaico significa - Por Mark Weber
Judeus: Uma comunidade religiosa, um povo ou uma raça? por Mark Weber
Controvérsia de Sião - por Knud Bjeld Eriksen
Sionismo e judeus americanos - por Alfred M. Lilienthal
Por trás da Declaração de Balfour A penhora britânica da Grande Guerra ao Lord Rothschild - parte 1 - Por Robert John {as demais 5 partes seguem na sequência}
Raízes do Conflito Mundial Atual – Estratégias sionistas e a duplicidade Ocidental durante a Primeira Guerra Mundial – por Kerry Bolton
Por que querem destruir a Síria? - por Dr. Ghassan Nseir
Congresso Mundial Judaico: Bilionários, Oligarcas, e influenciadores - Por Alison Weir
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