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Christopher Hedges |
A redução do financiamento
público para o ensino superior nos Estados Unidos levou à tomada de
universidades por doadores privados, muitos dos quais são entidades sionistas e
bilionários. Como resultado, as universidades se tornaram, como a convidada
Dra. Maura Finkelstein as chama, “bancos e empresas de desenvolvimento imobiliário
que oferecem cursos.”
Como
demonstrado pela história de Finkelstein, esse novo paradigma do ensino superior
pôs de lado os valores democráticos e a liberdade acadêmica. Em janeiro de
2024, como resultado de uma repressão ao estilo macartista contra professores
pró-palestinos, Finkelstein foi demitida de seu cargo de professora associada
titular e chefe do Departamento de Sociologia e Antropologia do Muhlenberg
College. Sua demissão ocorreu após uma investigação ridícula do Departamento de
Educação, tornando-a uma das vítimas mais recentes do expurgo de dissidentes
contra a narrativa sionista.
Neste episódio do The
Chris Hedges Report, Finkelstein explica como Muhlenberg chegou a esse
ponto, aparentemente sem retorno, e como isso serve como um exemplo de como as
universidades de todo o país estão capitulando à repressão do governo Trump à
liberdade de expressão em relação ao genocídio em Gaza.
Das
crescentes pressões de organizações universitárias sionistas, como a Hillel
International, ao monitoramento e vigilância constantes daqueles que simpatizam
com a situação palestina nas redes sociais, Finkelstein e o apresentador Chris
Hedges deixam claro que as paredes estão se fechando sobre a educação e a
própria democracia americanas.
Apresentador: Chris
Hedges; Produtor: Max Jones; Introdução: Diego Ramos; Equipe: Diego Ramos,
Sofia Menemenlis e Thomas Hedges; Transcrição: Diego Ramos.
Transcrição:
Christopher Hedges
A Dra. Maura Finkelstein, professora associada titular e chefe do Departamento de Sociologia e Antropologia do Muhlenberg College, foi demitida em janeiro de 2024 - unicamente por causa de uma publicação antissionista no Instagram – após ser alvo por meses de trolls sionistas nas redes sociais. Sionistas, incluindo alunos e ex-alunos da faculdade, denunciaram sua “perigosa retórica pró-Hamas” e seu “flagrante preconceito em sala de aula contra alunos judeus”. Finkelstein, que é judia, foi atacada online como judia que odeia a sua cultura, nazista e kapo. Seus detratores postaram que sua família devia ter vergonha dela, que sua mãe deveria tê-la abortado, que ela logo perderia o emprego e que “estamos de olho em você.” Uma petição da Change.org, com cerca de 8.000 assinantes, pedia sua demissão. Publicou capturas de tela das postagens de Finkelstein: uma foto dela, em 12 de outubro, usando um kaffiyeh, uma máscara facial com estampa de kaffiyeh e uma regata com os dizeres “Somente vibrações antissionistas,” abaixo dos quais ela havia escrito: “Libertem Gaza, libertem a Palestina, parem o genocídio em curso pelas máquinas de guerra israelenses e americanas.” Em outra, em 26 de outubro, ela escreveu: “ISRAEL NÃO TEM O DIREITO DE DEFENDER SUA OCUPAÇÃO.” A petição levou o Departamento de Educação a iniciar uma investigação sobre Muhlenberg.
A demissão de Finkelstein é uma ameaça sinistra à liberdade acadêmica. Sinaliza que não há proteção, nem mesmo estabilidade, para aqueles que se opõem não apenas ao genocídio, mas também à narrativa sancionada pelo Estado. Aqueles sem estabilidade, que constituem a vasta maioria do corpo docente universitário, têm ainda menos segurança no emprego. O ataque se baseia no argumento ilusório de que o apoio aos direitos palestinos é uma forma de antissemitismo, mesmo para quem é judeu. O objetivo, é claro, não é erradicar o antissemitismo, mas silenciar a esquerda, os liberais e esmagar todas as vozes dissidentes.
Finkelstein não está sozinha. Mais de 3.000 estudantes universitários foram presos, a maioria durante o governo Biden, em campos universitários. Ativistas estudantis, juntamente com professores e administradores, foram expulsos. Departamentos do Oriente Médio foram esvaziados, fechados ou colocados em liquidação. Essa caça às bruxas, tolamente credenciada por administradores universitários ávidos por obter favores de seus críticos de direita e do governo Trump, levou a Casa Branca a retirar US$ 11 bilhões em financiamento para pesquisa. Harvard, sozinha, pode perder US$ 2 bilhões. O governo Trump está tentando revogar os vistos de estudante de muitos dos 1,1 milhão de estudantes estrangeiros nos EUA. Ele também ameaça revogar o status de organização sem fins lucrativos de universidades como Harvard e retirar o credenciamento da Universidade de Columbia, apesar de Columbia ter cedido a todas as exigências feitas pelo governo Trump.
Juntando-se a mim para discutir este ataque generalizado à liberdade acadêmica e suas consequências está a Dra. Maura Finkelstein. A professora Finkelstein, doutora em antropologia cultural pela Universidade Stanford, é autora de The Archive of Loss: Lively Ruination in Mill Land Mumbai. Seus ensaios foram publicados pela Post45, Electric Literature, Allegra Lab, Red Pepper Magazine, The Markaz Review, Scottish Left Review, Mondoweiss, Middle East Eye e Al Jazeera.
Vamos explicar o que aconteceu com você. E acho que uma das coisas que mais nos perturba é o que eles usaram, que foi apenas calúnia, uma calúnia infundada, para rescindir seu cargo estável. Então, conte-nos como foi esse processo.
Maura Finkelstein
Sim, muito obrigada por me receber, Chris. É uma verdadeira honra estar aqui. Então, acho que há duas maneiras, ou dois fios que se cruzam nessa história. Eu acho que um deles é a maneira como esses espaços online criam e facilitam calúnias, difamações, ataques, achismos e assédio. E acho que também há a maneira como essas instituições estão utilizando esses ataques, se não fazendo parcerias com eles, para levá-los a um nível institucional e, de fato, silenciar as pessoas que estão falando sobre genocídio.
No meu caso, o que aconteceu foi que, como muitas pessoas, eu estava ensinando sobre a Palestina antes de 7 de outubro de 2023, antes do Dilúvio de Al-Aqsa {nome da operação de ataque palestino à Israel}. Eu tinha uma aula sobre a Palestina. Incluía a Palestina em todas as minhas aulas.
Bem, essa era uma grande preocupação para a Hillel International e o capítulo da Hillel no campus de Muhlenberg, que é, para quem não sabe, uma organização estudantil que afirma ser o centro da vida judaica no campus, mas, na verdade, é uma organização sionista com laços diretos com Israel.
Chris Hedges
Eles são em grande parte controlados pelo AIPAC {principal organização judaica para influenciar formalmente a política dos EUA}, tendo eu mesmo me deparado com a Casa Hillel.
Maura Finkelstein
Muito. Sim, eles se tornaram parceiros do AIPAC há cerca de uma década e meia, eu acho. E têm feito parte do movimento sionista mais amplo para acabar com todo o apoio à Palestina nos campus. Então, o Hillel estava me monitorando; os alunos estavam pedindo boicotes às minhas aulas.
Chris Hedges
Deixe-me interromper. Quando você diz “monitorar você,” isso geralmente significa colocar alunos na sua sala de aula para, essencialmente, reportar a eles. Era assim que eles estavam monitorando você?
Maura Finkelstein
Sabe, eu ouço tantas histórias sobre como isso acontece, especialmente com meus colegas palestinos. Isso já acontece há décadas. O que realmente estava acontecendo comigo era um pouco diferente. Eles sabiam que eu estava falando, discursando, escrevendo sobre a Palestina. Eu havia trazido um palestrante palestino para o campus.
E então, em vez de realmente se infiltrarem nas minhas aulas, eles convocaram um boicote. Assim, os alunos foram coagidos a não assistir às minhas aulas. Eu ouvi falar de estudantes judeus antissionistas que precisavam de um espaço judaico no campus e, portanto, faziam parte do Hillel, mas foram informados de que, se assistissem às minhas aulas, falassem comigo ou se envolvessem comigo, não seriam bem-vindos no Hillel.
Então foi mais ou menos o oposto, o que tornou minhas aulas um pouco menores, mas também significou que, para os alunos que assistiram às minhas aulas, não tivemos as constantes interrupções, intimidações e ameaças que tantos professores que ensinam sobre a Palestina vivenciaram e estão vivenciando agora.
Mas o que aconteceu depois de 7 de outubro é que eu tinha um aluno sionista em ambas as minhas turmas, que fazia parte do Hillel. Na verdade, ele se mudou para Israel e se juntou ao exército israelense, pelo que eu sei. E ele apresentou uma queixa contra uma aula que ministrei em 12 de outubro, na qual dei espaço para meus alunos fazerem perguntas sobre o que estava acontecendo. E isso desencadeou uma série de eventos que começaram com alunos e ex-alunos de Muhlenberg, com ligações através do Hillel, me atacando nas redes sociais.
E então a escola começou a investigar minhas aulas. Isso não deu em nada. Começaram a investigar minhas publicações. Isso não deu em nada. E, no final de novembro, surgiram preocupações com minhas redes sociais. Isso levou a algumas investigações em novembro e dezembro, que não deram em nada. Quer dizer, fiquei impedida de entrar no meu escritório por uma semana, tive que mudar minha sala de aula.
Havia medidas que a faculdade estava tomando para proteger os alunos do Hillel e atrapalhar meu trabalho. Mas nada realmente se confirmou em termos de uma investigação formal até que, logo depois que o Departamento de Educação divulgou sua investigação sobre, acho que, na época, eram cerca de 90 escolas, Muhlenberg era uma delas. E, em poucos dias, houve uma queixa formal apresentada tanto pela faculdade quanto por um aluno da liderança do Hillel, que até o dia de hoje nunca conheci.
Eu quer dizer, eu nunca dei aula para o aluno, nunca conheci o aluno, nunca me deparei com o aluno. E foi uma reclamação sobre uma publicação no Instagram que eu não escrevi. O poeta palestino Remi Kanazi a escreveu. Eu republiquei nos meus stories. E a reclamação foi apresentada. E esta foi uma das primeiras investigações do Título VI que argumentavam que sionistas são uma classe protegida, assim como raça e etnia.
E esse foi o argumento apresentado pela faculdade. E o que descobri mais tarde, através da investigação, é que o diretor do Hillel, o pesquisador israelense do Hillel, um ex-soldado israelense que foi levado para faculdades e universidades americanas pelo Hillel a fim de incentivar os alunos a criarem um relacionamento com Israel, talvez se mudarem para lá, talvez se juntarem às forças armadas, que esses dois funcionários haviam criado um grupo de WhatsApp com alunos do Hillel.
E eles estavam monitorando minhas redes sociais. Tiravam prints de tudo o que eu postava – o que era muito – e enviavam essas imagens aos alunos com o argumento de que minhas postagens eram tão perigosas, violentas e tão prejudiciais aos alunos, que o que eles deveriam fazer era mostrá-las aos administradores e incentivá-los a registrar queixas. Foi isso que levou à investigação oficial contra mim por causa dessa postagem.
Chris Hedges
Bem, o Departamento de Educação, eu acho, citou apenas uma publicação em uma rede social. Isso está correto?
Maura Finkelstein
Sim, isso mesmo. Bem, sim, na verdade foram dois. Então, uma das coisas que acontece quando você lê esses relatórios é que fica bem claro que muitas das reclamações apresentadas contra faculdades e universidades vieram de pessoas de fora das faculdades e universidades – que não fazem parte da comunidade universitária, não estavam tendo aulas, não estavam no campus.
E são reclamações muito fracas e muito semelhantes. Então, acho que houve cinco delas que claramente não eram de Muhlenberg. Uma das reclamações foi uma publicação minha sobre a qual 17 alunos da Hillel registraram uma reclamação em novembro, e a investigação foi arquivada. E então, sabe, isso acabou no relatório do Departamento de Educação.
E então a única publicação que acabou me levando à investigação, a publicação do Remi Kanazi, também estava no relatório do Departamento de Educação. Então, havia duas que eram baseadas em publicações reais nas redes sociais, e as demais eram completamente inventadas.
Chris Hedges
Vamos falar sobre a administração dessas faculdades. Elas simplesmente se renderam completamente, quase sem exceções. Talvez a Wesleyan seja uma delas, ou o Seminário Teológico Union, mas dá para contá-las nos dedos de uma mão. E eu acho isso muito assustador para aqueles de nós que passaram oito anos na universidade, provavelmente passaram quase tanto tempo assim, ou mais, fazendo o doutorado.
Mas é assustador porque, tendo coberto regimes despóticos, aquela última leitura sobre liberdade de expressão, autocrítica e dissidência costuma estar sempre presente nesses campus universitários. E, quando isso é fechado, é extremamente ameaçador para o futuro de um país. Mas vamos falar sobre a decisão dos administradores de Muhlenberg e de outras universidades de essencialmente sacrificar você, eu acho, em vão.
Eles não estão interpretando o poder. Esta não é uma discussão de boa-fé. Trata-se de silenciar o pluralismo e outras vozes, da esquerda e até mesmo dos liberais. Mas vamos falar especificamente sobre o seu caso e, em seguida, sobre a resposta mais ampla por parte daqueles que administram universidades e faculdades nos Estados Unidos.
Maura Finkelstein
Sim, obrigada pela pergunta. Então, em relação ao Muhlenberg, acho que o Muhlenberg College é um ótimo exemplo de todos os problemas que estamos vendo no ensino superior nos Estados Unidos atualmente. É uma pequena faculdade particular, quase totalmente financiada por mensalidades e doações.
A instituição tem enfrentado dificuldades financeiras desde que eu fui contratada, se não, sabe, por anos antes. Houve congelamento de contratações, congelamento de repasses salariais, e as matrículas estão caindo. Então, essas pequenas faculdades estão realmente enfrentando dificuldades, e a única maneira de sobreviverem, além das mensalidades, que só aumentam, e da dívida com empréstimos estudantis, que é um desastre absoluto... Mas a outra maneira de sobreviverem é por meio de doadores privados.
E uma das coisas que Muhlenberg fez nas últimas décadas foi realmente contar com certos doadores privados, muitos dos quais são sionistas, sendo um deles a Hillel International, para ajudar a moldar o caráter e a identidade da escola. Então, Muhlenberg é conhecida e tem muito orgulho disso, e, como você sabe, a Hillel Muhlenberg afirma em seu site que é um espaço seguro para os sionistas.
Pelo que eu sei dos últimos números, são cerca de 33% judeus, o que a coloca entre as quatro maiores escolas com população judaica nos EUA. E quase todos esses alunos são recrutados pelo Hillel. Portanto, temos alunos chegando ao campus realmente comprometidos com a agenda sionista de uma organização como o Hillel e que realmente querem fazer parte de uma comunidade judaica. Isso significa que, se a Muhlenberg quiser sobreviver como instituição, precisa fazer esses doadores felizes.
Precisa deixar esses alunos que pagam mensalidades felizes. E, embora eu não tenha simpatia pela administração, eu acho que, quando essas partes interessadas querem que alguém como eu saia e ameaçam cortar o apoio financeiro, garantir que estudantes judeus não venham para este campus, sabe, isso coloca os administradores em apuros. Eles realmente apoiam o tipo de investimento fundamental de uma escola, que é a educação, que é o livre pensamento, que é a capacidade de se envolver com ideias concretas – ou se curvam eles aos seus doadores?
E, no caso de Muhlenberg, eles se curvaram aos seus doadores. O presidente do conselho de administração também é sionista, a esposa dele é israelense, e há muito investimento nisso. E durante todo o tempo em que lecionei em Muhlenberg, eu estava ciente desse clima sionista assustador. Eu pensava que estava segura e protegida por causa da minha própria identidade. Isso acabou se revelando falso. Mas, sabe, durante anos, muitos dos professores que conheço – que talvez não sejam sionistas ou comprometidos com a libertação palestina – jamais profeririam a palavra “Palestina” no campus.
Eles estavam com muito medo de fazer isso. Tinham medo de perder o emprego. E acho que o que Muhlenberg, e o meu caso, ilustram é o fato de que o ensino superior está muito falido neste país. Não temos uma educação pública sólida. Temos escolas como a Columbia, que, no mínimo, são bancos e empresas de desenvolvimento imobiliário que oferecem cursos.
E então você vê esses administradores se tornando cada vez mais voltados para os negócios e menos voltados para a educação e pesquisa, e mais empenhados em garantir que existam em um espaço de acumulação de capital, e menos em termos de serem espaços de aprendizado e educação.
Portanto, acredito que meu caso revela a crise no ensino superior. Mas é claro que uma escola como a Muhlenberg e uma escola como a Columbia têm modelos financeiros completamente diferentes. E, no entanto, ambas as escolas estão capitulando à censura sionista.
Chris Hedges
Quando eu entrevistei Katherine Franke, a professora de Direito que se manifestou contra os ataques físicos contra estudantes – muitos dos quais, claro, eram judeus – que protestavam contra o genocídio, ela rapidamente disse, na entrevista, que não eram apenas forças externas, não era apenas o governo Trump, mas o próprio conselho de curadores da Columbia que estava perpetuando, e esse é o ponto que você acabou de levantar. E, claro, mesmo em um lugar como a Columbia, com seu enorme fundo patrimonial, ou Harvard, com seu fundo patrimonial de US$ 54 bilhões, esses administradores – muitos dos quais são cada vez mais oriundos do mundo corporativo, não são acadêmicos, dão a si mesmos esses salários exorbitantes de meio milhão de dólares por ano, enquanto 75% do corpo docente agora são contingentes ou adjuntos, ganhando salários miseráveis.
Mas eles não trabalham para as escolas. Acho que é esse o ponto que você quer dizer: eles não trabalham. Eles trabalham para esses conselhos de curadores, que se preocupam exclusivamente em acumular riqueza e aumentar ou proteger o patrimônio.
Maura Finkelstein
Sim, absolutamente. E eu acho que a pergunta que precisamos fazer no ensino superior, não apenas em termos de censura e dessa atitude assustadora da direita, que é contra a equidade, contra a diversidade, etc., etc, mas também: para onde está indo o dinheiro? Então, para fins de transparência, eu era uma professora titular que chefiava o meu departamento. Eu ganhava US$ 80.000 por ano. Então, eram US$ 50.000 por ano que eu levava para casa.
Não é muito dinheiro, considerando que trabalhei por duas décadas na minha área. Mas você tem administradores em Muhlenberg que ganham centenas de milhares de dólares. Você tem administradores em Columbia que ganham milhões de dólares. E, portanto, essas são pessoas que têm muito a perder.
Chris Hedges
Eu quero falar sobre a forma como os Títulos IX e VI foram transformados em armas. Sabe, muito do que aconteceu neste país é, quero dizer, os direitos constitucionais foram simplesmente invertidos por decreto judicial.
E este é apenas mais um exemplo de mecanismos que foram criados para proteger minorias ou grupos vulneráveis. E eles foram usados como armas contra vocês. Eles foram usados como armas contra aqueles que discordam da narrativa dominante. Você pode falar sobre isso?
Maura Finkelstein
Sim, com certeza. Então, o que funciona em uma faculdade pequena como Muhlenberg é que há um escritório do Título IX.
Chris Hedges
Talvez devêssemos explicar o que ambos são para as pessoas que não sabem.
Maura Finkelstein
Sim, então o Título IX e o Título VI são leis que basicamente protegem comunidades vulneráveis no campus, que podem ser marginalizadas, expulsas, discriminadas por racismo, sexismo, etc. Então, o Título IX se tornou, quer dizer, muitas coisas, mas se tornou o escritório no campus onde a discriminação de gênero e sexo é tratada.
E, portanto, qualquer pessoa que tenha acompanhado a crise desenfreada de agressão e assédio sexual no campus sabe que o Título IX visa, na verdade, mais proteger instituições do que proteger alunos, professores e funcionários que sofreram danos. E o Título VI, da Lei dos Direitos Civis, protege contra discriminação racial, étnica, etc. E a religião foi incluída nisso, em grande parte, graças ao último mandato do presidente Trump.
Então, em uma pequena faculdade como Muhlenberg, há um escritório do Título IX, e o Título VI é tratado nele. E o que estamos vendo em todo o país é que o Título VI está sendo usado como arma, e isso não é novidade, quero dizer, isso já acontece há mais de uma década , mas o Título VI está sendo usado como arma pelos sionistas para argumentar que qualquer crítica a Israel, qualquer crítica ao sionismo, é, na verdade, antissemita, que o sionismo é uma classe protegida, que qualquer discurso antissionista, qualquer discurso pró-Palestina, qualquer apelo pela libertação palestina é semelhante ao antissemitismo.
E, sabe, nós podemos analisar nossas instituições para ver como isso está sendo oficialmente adotado, seja por meio da definição de antissemitismo da IHRA [Aliança Internacional para a Memória do Holocausto], seja por meio de algo como o caso Muhlenberg, em que fui investigada por antissemitismo devido ao meu discurso político antissionista. Portanto, a questão sobre o Título IX e o Título VI é que, quando há uma violação do Título VI ou do Título IX, essas violações são, de certa forma, retiradas das funções normais de uma faculdade ou universidade, o que, no caso de um membro do corpo docente como eu, seria por meio da governança do corpo docente.
Então, o que deveria ter acontecido é que tinha havido uma queixa contra mim, e um comitê de membros do corpo docente – cujo trabalho é realmente ouvir meu caso e decidir se há ou não um caso legítimo e se eu deveria ser investigada, punida ou absolvida com base na queixa – deveria ter sido acionado.
Isso deveria ter sido a primeira coisa a acontecer. Teria sido transparente. Teria seguido o manual do corpo docente, que são as regras definidas pela Associação Americana de Professores Universitários. E quando essas queixas, especialmente em relação ao sionismo e às críticas a Israel, são apresentadas e os administradores de faculdades e universidades as encaminham imediatamente para esses processos do Título IX ou Título VI, elas se tornam confidenciais.
Elas são movidas para fora da governança da faculdade. Basicamente, elas viram uma caixa-preta. E o que eu experimentei no ano passado foi um total e completo sigilo, a ponto de, toda vez que eu conversava com um colega sobre o que estava acontecendo, recebia uma mensagem ameaçadora do escritório do Título IX dizendo que eu estava violando os termos da investigação, que eu estava comprometendo a investigação, etc., etc.
E então, quando eu tenho conversado com professores, funcionários e alunos que estão sendo envolvidos nesses processos de investigação de discursos e atividades antissionistas e pró-Palestina, o que eles enfrentam é assinar acordos de confidencialidade, jurar segredo e existir dentro desses processos e procedimentos que não têm nenhuma transparência.
E o que eu aprendi por meio da minha investigação e o que eu tenho aprendido conversando com outras pessoas é que, especialmente no verão passado, administradores de faculdades e universidades em todo o país organizaram políticas e procedimentos que poderiam contornar essas formas estabelecidas de governança para assumir o controle e basicamente censurar a liberdade de expressão no campus.
Então, houve esse silenciamento muito assustador, que tem tudo a ver com o tipo de funções normais de uma faculdade e universidade, que não é perfeito, mas tem seus raciocínios, sendo controlado por administradores que estão tentando se livrar de alunos, se livrar de professores e se livrar de funcionários que estão ameaçando a agenda sionista da instituição.
Chris Hedges
Mas é claro, perseguir pessoas que denunciam o genocídio ou desafiam o sionismo é apenas um mecanismo para, essencialmente, calar a esquerda, calar até mesmo a dissidência liberal, porque essas pessoas que assumem esse tipo de postura geralmente não vêm da direita e geralmente têm consciência. Quero falar sobre o que isso fez com as universidades.
Ellen Schrecker, historiadora do macartismo, disse que o que está acontecendo agora é muito pior. Porque, durante o macartismo, houve expurgos de professores – pessoas que foram acusadas por terem ligações com o Partido Comunista, tivessem ou não. Claro que houve repercussões em Hollywood, I. F. Stone e todas essas figuras.
Mas ela disse que, desta vez, eles não estão apenas perseguindo figuras como você. Eles estão reconfigurando as próprias instituições. Estão deformando as instituições de uma forma muito mais flagrante do que o que aconteceu na década de 1950, apesar de os professores terem que fazer juramentos de lealdade e coisas do tipo. Não sei se você concorda com isso e se pode comentar.
Maura Finkelstein
Sim, eu concordo com isso. E acho que uma das coisas que estou vendo é que há dois atores poderosos nesse movimento. Um é o bloco sionista, o bloco sionista judeu. E o outro é o movimento nacionalista cristão, o movimento de direita sionista cristão, como a Heritage Foundation, que agora está trabalhando em parceria não apenas para perseguir aqueles de nós que condenam o genocídio, condenam Israel, condenam o sionismo e defendem a libertação palestina, mas também para perseguir a DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão).
Eles estão indo atrás de estudos de gênero e sexualidade. Eles estão indo atrás de estudos étnicos. Então, acho que o que estamos vendo de tão assustador é que essas instituições, essas instituições coloniais que têm formas específicas de hierarquia e exclusão, tornaram-se um pouco mais liberais. Tornaram-se um pouco mais inclusivas. E isso criou grandes rupturas nas últimas décadas nos campus de faculdades e universidades. Então, eu acho que o que mais me preocupa, entre muitas coisas, é a maneira como as administrações estão permitindo que essas organizações supremacistas brancas sionistas, muito, muito conservadoras e anti-equidade, pressionem os administradores de faculdades e universidades a não apenas silenciar pessoas como eu, mas também a fechar seus escritórios de DEI {Diversidade, Equidade e Inclusão}, cancelar seus programas de estudos trans, cancelar seus programas de estudos étnicos e fechar seus programas de estudos sobre o Oriente Médio.
E eu acho que é isso que muitos administradores querem, principalmente porque vêm do mundo dos negócios. Nós não temos campus complacentes. Nós temos muito mais diversidade. Temos pessoas que vêm de experiências de vida muito, muito diferentes daquelas que tradicionalmente têm sido o corpo discente, o corpo docente e o corpo de funcionários da universidade. E isso realmente desafiou a forma como essas instituições são administradas. Então, eu acho que nós estamos vendo esse tipo de repressão em larga escala à esquerda, aos liberais, à inclusão e à diversidade.
E eu acho que é isso também que torna os anos McCarthy tão diferentes. E este é o argumento de Saree Makdisi de que não se trata apenas, eu quero dizer, nós podemos falar sobre a forma como os interesses dos EUA e de Israel estão interligados, mas não se trata nem mesmo de proteger os interesses americanos, trata-se de proteger os interesses israelenses, deste país estrangeiro.
E então eu acho que, como essas formas de silenciamento e violência institucional vêm de todas essas direções diferentes, parece uma tempestade perfeita. Mas eu acho que isso é uma evidência de como a direita tem sido tão bem-sucedida nas últimas décadas em transformar essas conversas sobre diversidade, inclusão, equidade, etc., em narrativas de antissemitismo.
E quando nós falamos muito sobre o Relatório do Projeto Esther da Heritage Foundation, que foi lançado no ano passado, mas em 2021, a Heritage Foundation publicou um relatório chamado Inclusion Delusion, no qual eles basicamente argumentavam, com base nas mídias sociais, que os funcionários dos escritórios do DEI {Diversidade, Equidade e Inclusão} eram antissemitas e não apoiavam Israel e, portanto, não apoiariam estudantes judeus, e pediam o desmantelamento do DEI {Diversidade, Equidade e Inclusão} por causa disso. E assim, nós estamos vendo essas campanhas muito bem-sucedidas se concretizarem neste momento.
Chris Hedges
E já que você levantou o assunto, vamos falar sobre o relatório Esther, que é bem assustador.
Maura Finkelstein
Sim. Eu acho que uma das coisas em que mais penso, quero dizer.
Chris Hedges
Nós deveríamos explicar o que foi.
Maura Finkelstein
Então, em 7 de outubro de 2024, a Heritage Foundation divulgou um relatório. Sou formada em ciência social e acho que estes são tempos realmente sombrios e perigosos. Mas, sempre que quero me sentir bem com minhas habilidades de pesquisa em ciências sociais, leio um relatório da Heritage Foundation, e é uma pesquisa realmente ruim.
Eles apresentaram um relatório chamado Projeto Esther, no qual argumentam que uma rede de apoio ao Hamas, obscura e inexistente, ou HSN, uma espécie de movimento internacional de pessoas de esquerda que apoiavam a Palestina, que investem na teoria anticolonial, como a Jewish Voices for Peace, Students for Justice in Palestine, e todos esses diferentes tipos de organização e pensamento de esquerda, fazia parte dessa conspiração internacional, e que ela estava minando a democracia, tentando destruir o capitalismo, o que, para constar, me parece ótimo.
E que essa precisa ser a maior preocupação no combate ao antissemitismo. Apelou para a criação de uma força-tarefa antissemitismo. Eram, claro, todos nacionalistas cristãos, sionistas cristãos. E não posso falar com autoridade, mas eu estou assegurada de que este relatório ajudou a levar à ordem executiva de Trump que agora está fazendo desaparecer estudantes, especialmente estudantes palestinos que se manifestam a favor da Palestina e contra Israel.
E o que eu acho tão perigoso sobre o relatório do Projeto Esther, além do fato de que o governo Trump o usou para fins muito, muito violentos, é que ele desvia a atenção do fato de que existem, na verdade, esses tipos de organizações internacionais que estão comprometendo os interesses americanos, que estão dividindo lealdades, mas elas não vêm da esquerda, vêm da direita, vêm de organizações sionistas.
O aluno que entrou com o processo contra mim em relação ao cargo que me levou à demissão está na liderança da Israel Leadership Network, a ILN, que é uma organização muito real que a Hillel International criou em parceria com o governo israelense para treinar estudantes universitários americanos sobre como defender Israel e calar as críticas a Israel e o apoio à Palestina no campus.
Então, na verdade, vocês têm esses movimentos, mas essa obscura rede de apoio ao Hamas não existe e, não apenas não existe, como está sendo usada para liberar o ICE (Imigração e Fiscalização Alfandegária) para fazer desaparecer nossos estudantes vulneráveis que estão lutando por justiça na Palestina e criticando um genocídio em andamento.
Chris Hedges
Este é [Richard] Hofstadter, “O Estilo Paranoico na Política Americana”, onde tudo o que esses protofascistas fazem, eles projetam em seus oponentes. Mas, claro, para eles, é bem real. O que isso fez com a educação americana? Eu vejo isso como um verdadeiro golpe em tudo com que você e eu nos importamos.
Maura Finkelstein
Sim, com certeza. E, sabe, eu acho bastante deprimente pensar em como o ensino superior nos EUA vai se recuperar disso e como será o futuro do ensino superior. Quer dizer, a crise no ensino superior continua. Não é um fenômeno novo, mas é impressionante a rapidez com que essas instituições estão capitulando e se desintegrando.
Sinto-me eu muito confortável com os movimentos estudantis. Sinto-me muito confortável com os nossos colegas que continuam a fazer o trabalho que fazem bravamente no campus, apesar das ameaças, da vigilância e das suspensões. E eu sinto que, a cada semana, ouço um novo caso de um docente ou funcionário que está sendo ameaçado de demissão, que está sendo suspenso. E isso continua acontecendo. O que eu acho realmente assustador é quantas pessoas que conheço estão simplesmente abaixando a cabeça em silêncio e tentando fazer o que podem sem chamar a atenção para si mesmas.
Eles se autocensuram, têm medo da vigilância, têm suas crenças, mas têm medo demais de entrar em sala de aula e ensinar seus alunos. Isso me preocupa muito, e posso dizer isso da posição de quem não tem mais uma instituição me ameaçando; já tenho já passado por isso.
Eu não consigo imaginar como seria viver com esse nível de ameaça e vigilância. Mas, até que tenhamos um movimento comunitário robusto e abrangente que leve a uma greve, que leve a uma recusa em capitular diante das demandas da instituição, eu acredito que veremos apenas um desgaste de tudo o que torna essas instituições valiosas e dignas de serem salvas.
Então, eu sinto-me muito pessimista em relação ao futuro do ensino superior. E eu não sei se essas instituições, como estão, valem a pena salvar neste momento. Quer dizer, eu sou uma pessoa que adoraria ver uma educação pública robusta. Eu acho que a educação deveria ser gratuita. Eu acho que deveria ser inclusiva. Eu acho que deveria ser democrática. Definitivamente nós não temos isso nos Estados Unidos.
E eu não sei o que seria necessário para criar ou revitalizar isso. Mas eu acho que, especialmente em termos da forma como o modelo contribuiu tanto para o fortalecimento das faculdades privadas quanto para a privatização das universidades públicas, é muito difícil imaginar como essas instituições vão se recuperar e retomar, sabe, o trabalho de ensino e aprendizagem que supostamente prometem.
Chris Hedges
Bem, eles se tornam profissionalizantes e todos se especializam em ciência da computação.
Maura Finkelstein
Certo, ou você simplesmente compra seu diploma, se ainda consegue pagar.
Chris Hedges
Ou você é marcado. É. É isso que Princeton é. Desculpe, Sofia. Então, você tem toda a razão em relação a como nós devemos responder. Mas eu estava com os manifestantes de Columbia na primavera de 2024, quando eles tinham... Columbia está quase... está em confinamento. Não dá para entrar no pátio, sabe, eles têm presença policial no campus.
E eles disseram que, como tinham fechado o acampamento, agora nós temos que, exatamente o que você acabou de dizer, convocar uma greve geral. Nós temos que convocar greves em todas as universidades. Bem, o que aconteceu no verão de 2024 foi que todas essas universidades se coordenaram com empresas de segurança privadas, muitas delas ligadas a Israel, para impor regras tão draconianas que não só não era possível ter acampamentos, como também não era possível circular panfletos no campus.
Simplesmente não havia mais espaço para qualquer tipo de dissidência. E então eu acho que duas das coisas que me perturbaram foram: uma, que aqueles estudantes que certamente viram corretamente o que estava diante de nós e estavam tentando reagir, voltaram no outono para os gulags acadêmicos, e essas universidades fizeram sua escolha, que era essencialmente abolir a liberdade de expressão. Vamos abolir a liberdade de expressão nos campus universitários.
Maura Finkelstein
Quer dizer, é assustador imaginar o que acontece depois, né? Você é um estudante e está se endividando enormemente. Você tem se esforçado muito para conseguir seu diploma. Você é um membro do corpo docente. Você tem sido, quer dizer, eu fui uma deles. Você tem trabalhado por décadas para conseguir essa carreira. Você finalmente a conseguiu. O que você faz? E estamos vendo o impacto material real disso.
E eu repito isso repetidamente, mas quando chegamos ao ponto em que nossos alunos estão sendo desaparecidos pelo ICE {Imigração e Fiscalização Alfandegária}, estão sendo detidos, estão sendo deportados, ou seja, você sabe, nós continuamos chegando a esses pontos de inflexão e é tão assustador que eu nem tenho palavras para articular isso. Mas eu também acho, e acho que os alunos realmente nos mostraram isso, mas eu acho que em uma escala maior, nada vai mudar se as pessoas não estiverem dispostas a realmente abrir mão de algumas coisas.
Eu acho que nós temos criado uma situação bem legal para muitas pessoas, especialmente no ensino superior, não é exatamente uma ascensão social como pensávamos, mas quando você consegue um emprego de professor, é bem confortável. Você entra numa universidade da Liga de Hera, e isso vai te levar a um tipo específico de futuro. E seja lá qual for esse futuro, ele não existe agora. E eu acho que até vermos um movimento coletivo de pessoas que entendam que, no fim das contas, isso é sobre um genocídio que temos assistido ao vivo por mais de 20 meses.
Eu tenho, eu quero dizer, você escreve sobre isso, você vem cobrindo isso há anos e anos e anos. Nos últimos 20 meses, eu vi coisas que eu nem poderia imaginar, as coisas mais horríveis do mundo sendo feitas, segundo o que eu acho ser uma estimativa segura: de 800.000 a um milhão de pessoas foram massacradas e 2 milhões de pessoas estão à beira da fome, morrendo de doenças e fome, etc., etc.
E dentro desse cenário, desistir de uma carreira, desistir de um diploma, da minha perspectiva, não parece muita coisa a perder. Parece algo pequeno a perder. E eu acho que o tipo de dificuldade de viver neste país agora, nos EUA, como as coisas estão caras, como tudo parece meio inabitável, e também a maneira como somos socializados nessa forma muito individualista de nos envolvermos com o mundo, sem realmente pensar em cuidado comunitário, sem realmente pensar em ação coletiva.
Eu acho que essas coisas tornaram tudo muito, muito difícil para qualquer tipo de movimento em larga escala. Mas eu acho que até que as pessoas realmente entendam que nós devemos a Gaza os riscos que podemos correr, nós devemos a Gaza a atenção e a recusa em capitular diante da repressão autoritária, até que nós vejamos todas as nossas vidas entrelaçadas e percebamos que nada muda a menos que estejamos dispostos a sacrificar coisas, e isso é diferente para cada um, até que nós estejamos realmente dispostos a perder coisas, eu não acho que as coisas vão mudar. Então, eu concordo que está se tornando cada vez mais difícil imaginar como sobreviver nesses campus.
E também, enquanto eu observo meus colegas se contorcendo para tentar sobreviver dentro dessas estruturas, a pergunta que eu continuo me fazendo é: quão ruim a situação precisa ficar para você perceber que estamos todos conectados na luta e que estamos vivenciando isso de maneiras diferentes, mas que é preciso haver um sacrifício real? E eu acho que isso vem da disposição de perder o emprego, da disposição de ser expulso, da disposição de ser suspenso.
E, sabe, eu converso com as pessoas em um nível individual e há adesão em um nível ideológico, mas não em um nível material. Então, acho que enquanto persistir essa incapacidade de se imaginar como parte de um coletivo e a urgência em torno desse tipo de movimento e ação, eu não acho que as coisas vão mudar.
Chris Hedges
É também uma questão de integridade, dignidade, de salvar. Você salvou a sua. Eu trabalhei no New York Times por 15 anos. Eles trazem muitos jornalistas talentosos e idealistas, e depois os esmagam, a instituição, e no final eles estão quebrados. E eles ainda podem andar por aí dizendo que trabalham para o New York Times, mas são, como disse [T. S.] Eliot, homens e mulheres vazios.
E eu acho que é também por isso que eu admiro tanto o que esses alunos fizeram, ou o que pessoas como você, Rupa Marya, Katherine Franke e outros fizeram. Tenho só mais duas perguntas. Primeira: o que isso fez com seus alunos conscientes? E depois eu quero falar sobre como essa experiência afetou você pessoalmente, em termos de sua própria reavaliação, talvez até mesmo de crescimento, e ter confrontado o New York Times e sido expulso, não é fácil.
É como você, eu trabalhei muitos anos para chegar ao New York Times e estar lá, e foi difícil — é difícil. Mas vamos falar sobre os alunos e, em seguida, vamos terminar falando sobre como essa experiência fez você refletir sobre si mesmo e o mundo ao seu redor de maneiras diferentes.
Maura Finkelstein
Sim, obrigado por isso. Então, em relação aos meus alunos, sabe, aqueles com quem ainda eu tenho um relacionamento, eu tenho um relacionamento com muitos dos meus ex-alunos, eu acho que quando imagino como é ser jovem agora, eu vivi o suficiente para ver uma grande mudança, mas meus alunos são jovens o suficiente para estarem apenas entrando na vida agora e no mundo.
E eu acho que muitos deles estão com muito medo. Eles estão com raiva. Eles não sabem o que estão fazendo, como será o futuro. Mas o que eu realmente aprendi com eles, e vi isso nos acampamentos, vi conversando com meus ex-alunos, é que, de uma forma que talvez a minha geração não tenha visto, eu cresci nos anos 80 e 90, era uma época muito diferente. Meus alunos estão vendo conexões, estão vendo como, sabe, o que está acontecendo em Nova York está refletindo o que está acontecendo em Gaza e o que está acontecendo no Irã está refletindo…
Sabe, eles estão vendo essas conexões, eles estão vendo o colapso climático,eles estão vendo o fato de que provavelmente ficarão endividados pelo resto da vida. Eles estão vendo que os empregos que pensavam que um dia poderiam conseguir não existem mais. E, num dia bom, me conforta saber que eu conversei com eles ao longo dos anos sobre como enxergar essas coisas como interconectadas.
E agora eu estou observando-os aprenderem isso em tempo real, em nível global, e isso me dá esperança e um pouco de fé, pois esses estudantes, que não estão mais dispostos a aceitar um status quo, um status quo muito, muito, muito violento, isso não é bom para eles. Não é bom para ninguém que eles estejam realmente dispostos a reagir, a se manifestar, a lutar. Eu tenho me inspirado muito com meus alunos e tenho me sentido muito honrada em manter contato com muitos deles ao longo dos anos e ver como eles estão prestando atenção, eles estão conectados com o mundo.
E isso me faz sentir que é possível imaginar algum tipo de ação coletiva no futuro, baseada na comunidade. Eu vejo meus alunos fazendo essas conexões.
Chris Hedges
E, no entanto, Maura, eles estão alienados das próprias instituições que deveriam alimentá-los e formá-los.
Maura Finkelstein
Sim, e eu acho que há algo realmente inspirador em perceber que as coisas que eles pensavam que iriam comprar não estão lá para eles. Elas não estão lá para fornecer. Elas não estão lá para elevá-los, que eles realmente não podem recorrer à instituição para as coisas que achavam que precisavam.
Na verdade, eles precisam encontrá-las por meio da comunidade, da organização. E acho que essa é uma lição muito importante a ser aprendida, porque, para perguntar, para responder à sua pergunta sobre mim, sabe, eu queria ensinar, queria escrever, queria viajar, queria continuar aprendendo ao longo da minha vida.
Eu achava que ser professora universitária era a maneira de fazer isso. E foi por um tempo. E estou feliz por ter tido essa experiência. E eu não acho que isso seja possível, especialmente nos Estados Unidos. Eu não acho que o ato de desafiar o poder, pensar de maneiras específicas, ter as conversas realmente importantes e desconfortáveis com nossos alunos, que nós precisamos ter, seja possível nos espaços universitários americanos agora. E então, se não for possível, não quero fazer parte disso. Então, eu estou tranquila em seguir em frente e procurar outros lugares. Mas eu acho que o que é realmente preocupante em termos do que isso significa é que a educação deve ser desconfortável. Aprender deve ser desconfortável.
E temos faculdades e universidades que dizem que não querem que nossos alunos se sintam desconfortáveis, ou seja, não querem que eles se sintam mal com suas políticas genocidas, etc., etc. E então, só de ver isso e entender esses compromissos, eu me sinto livre para não fazer mais parte dessas instituições, para não ficar me vigiando, para não ter cuidado com o que eu digo ou deixo de dizer.
E assim posso continuar a escrever, a pensar, a ter conversas importantes e a me responsabilizar constantemente pelos espaços em que eu participo, tentando continuar a centrar-me na libertação, na mudança social, na justiça. E eu continuarei a fazer isso onde quer que eu esteja. Infelizmente, nos Estados Unidos, isso também exige um salário para sobreviver. Mas eu acho que, no nível humano, eu me sinto mais livre fora da faculdade do que jamais me senti dentro dela.
E para mim, o mais importante é continuar a chamar a atenção para o que está acontecendo em Gaza e continuar a aprender como me apresentar como um melhor aliado e colaborador com as pessoas com quem sinto que estou em comunidade, e continuarei a fazer isso onde quer que eu esteja.
Chris Hedges
Ótimo, obrigada, Maura. Quero agradecer ao Diego [Ramos], à Sofia [Menemenlis], ao Max [Jones] e ao Thomas [Hedges], que produziram o programa. Você pode me encontrar em ChrisHedges.Substack.com.
Tradução
por Dignus {academic auctor pseudonym - studeo liber ad collegium}
Revisão
por Nickolas Clark
Revisão
e palavras entre chaves por Mykel Alexander
Fonte: The End of
Academic Freedom (w/ Maura Finkelstein), por Christopher Hedges e Maura
Finkelstein, 23 de julho de 2025, The Unz Review – An alternative media
selection.
https://www.unz.com/article/the-end-of-academic-freedom-w-maura-finkelstein/
Sobre os autores:
Christopher Hedges
(1956) é um jornalista americano. Hedges recebeu seu diploma de Bacharel em
Inglês pela Colgate em 1979. Ele obteve pós-graduação na Divinity School da
Universidade de Harvard, em clássicos e grego clássico. Hedges esteve no
decorrer do tempo presente em atividades seminaristas na Igreja Católica e
esportivas. Na Universidade de Harvard durante 1998-1999 escolheu estudar latim
por causa de seu interesse anterior nos clássicos ao estudar grego clássico.
Conforme seu interesse
em jornalismo cresceu, influenciado pelo trabalho de George Orwell, adentrou na
carreira de jornalista, cobrindo a Guerra das Malvinas a partir de de Buenos
Aires. De 1983 a 1984, cobriu os conflitos em El Salvador, Nicarágua e
Guatemala para o The Christian Science Monitor e NPR (National
Public Radio). Entre 1984-1988 foi chefe da seção de cobertura da América
Central pelo Dallas Morning News. Em 1988 priorizou o estudo do
árabe. Ele foi nomeado chefe do escritório do Oriente Médio do The
Dallas Morning News em 1989. Pelo The New York Times cobriu
a Primeira Guerra do Golfo, onde suas reportagens atraíram hostilidades tanto
de setores militares dos EUA como do Iraque, passando a ser chefe do setor do
Oriente Médio por este jornal. Em 1995, Hedges foi nomeado chefe da cobertura
dos Balcãs do The New York Times, cobrindo as guerras da Iugoslávia
(1995-2000). Posteriormente continuou seu trabalho cobrindo eventos relacionado
ao Oriente Médio, 11 de setembro e organizações extremistas. Por emitir
posições contrárias à política externa americana no Iraque e também neste tema
opinião contrária ao editorial do The New York Times, em 2005 ele
se retirou do jornal. Entre 2006-2020 foi colunista do portal Truthdig.
Entre 2016-2022 Hedges começou a apresentar o programa de televisão On
Contact para a rede RT America, de propriedade do governo russo, a
qual foi encerrada após a invasão russa de 2022 (Hedges registrou que a rede
russa não o censurou sobre sua reprovação da invasã russa, como o The
New York Times o censurou sobre sua reprovação da posição americana
frente ao Iraque). A partir de abril de 2022 na The Real News Network ele
produz a série The Chris Hedges Report.
Em 2011 foi preso por ativismo no movimento Occupy Wall Street contra a casa
bancária judaica Goldman Sachs.
Escreveu os livros: War Is a Force That Gives
Us Meaning (2002); What Every Person Should Know About War (2003); Losing
Moses on the Freeway: The 10 Commandments in America (2005); American
Fascists: The Christian Right and the War on America (2007); I
Don't Believe in Atheists (2008); Collateral Damage: America's
War Against Iraqi Civilians, com Laila Al-Arian (2008); When
Atheism Becomes Religion: America's New Fundamentalists (2009), um
novo título para I Don't Believe in Atheists; Empire of
Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle (2009); Death
of the Liberal Class (2010); The World As It Is: Dispatches
on the Myth of Human Progress (2010); Days of Destruction,
Days of Revolt, com Joe Sacco (2012); Wages of Rebellion: The Moral
Imperative of Revolt (2015); Unspeakable (2016); America:
The Farewell Tour (2018); Our Class: Trauma and Transformation
in an American Prison (2021); The Greatest Evil is War (2022).
Maura Finkelstein (1979/80-)
Maura Finkelstein é uma antropóloga judia. Ela obteve seu
mestrado em antropologia pela Universidade de Columbia e seu doutorado em
antropologia cultural pela Universidade de Stanford. Foi considerada a primeira
professora titular a perder o emprego por discurso pró-Palestina nos Estados
Unidos.
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Relacionado, leia também:
Táticas do Lobby Judaico na Supressão da Liberdade de Expressão - por Tony Martin
Relacionado, leia também sobre a questão judaica, sionismo e seus interesses globais ver, incluindo a Palestina:
Quem são os Palestinos? - por Sami Hadawi
Palestina: Liberdade e Justiça - por Samuel Edward Konkin III
Libertando a América de Israel - por Paul Findley
Deus, os judeus e nós – Um Contrato Civilizacional Enganoso - por Laurent Guyénot
A Psicopatia Bíblica de Israel - por Laurent Guyénot
Israel como Um Homem: Uma Teoria do Poder Judaico - parte 1 - por Laurent Guyénot (Demais partes na sequência do próprio artigo)
O peso da tradição: por que o judaísmo não é como outras religiões - por Mark Weber
Sionismo, Cripto-Judaísmo e a farsa bíblica - parte 1 - por Laurent Guyénot (as demais partes na sequência do próprio artigo)
O truque do diabo: desmascarando o Deus de Israel - Por Laurent Guyénot - parte 1 (Parte 2 na sequência do próprio artigo)
Congresso Mundial Judaico: Bilionários, Oligarcas, e influenciadores - Por Alison Weir
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{Retrospectiva 2023 - Genocídio em Gaza} - Morte e destruição em Gaza - por John J. Mearsheimer
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Judeus: Uma comunidade religiosa, um povo ou uma raça? por Mark Weber
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